“Passado é
passado, o futuro a Deus pertence, procure viver o presente!”
Quantas e quantas vezes ouvi ou li esta máxima em minha vida!
Duvido que um só leitor possa afirmar “eu nunca tinha lido ou
ouvido isto”. E uma sentença que se repete, se repete, se
repete, acaba ganhando status de verdade verdadeira. Eu
também acreditei nisto.
A idade
avançada, no entanto, me fez mudar de opinião. A gente diz isto
quando o presente preenche as 24 horas de nossos dias, quando
aquilo que já passou se ofusca na nossa vitalidade, no nosso
acúmulo de novas empreitadas e a nossa certeza de que o futuro
acontecerá nos faz confiantes em nossa imortalidade.
Você verá,
quando chegar sua hora, que o presente vai ficando
imperceptível, que do futuro não se pode ter certeza, nem do
mais próximo, nem do hoje à tarde, quanto mais, do amanhã. E o
que nos resta é o passado! Por isto a sábia natureza reserva ao
nosso cérebro a capacidade cada vez mais viva de lembrar o mais
remoto de nossos dias. E nós, os bem vividos, os velhos que na
verdade somos, valorizamos o que passou, sem pensar às vezes que
para os que ainda não são velhos, passado é passado.
Por esta razão,
quando acabo de enviar à publicação cada uma de minhas crônicas,
me pergunto: “a quem e a quantos poderá isto interessar? quem
interromperá o seu presente tão vibrante para voltar-se a esta
espécie de túnel do tempo?
Por esta razão
quem sabe, minha intuição levou-me a eleger o gênero crônica
para evocar estas lembranças, pois a crônica é gênero livre dos
grandes encargos como conteúdo consistente, compromisso com a
história, aprisionamento à pesquisa. A crônica tem prazo de
validade, tem limite de espaço e de lugar, desperta interesse
momentâneo. De certa forma eu escolhi sujeitar-me à lei do
menor esforço, ao compromisso com o que é passageiro.
É como o compositor que, escapando à complexidade da ópera, se
decide pela opereta. Eu tenho plena consciência desta minha
condição.
Algumas pessoas
sugeriram que se compilassem estas crônicas e desse aglomerado
se fizesse um livro. Por um bom tempo acolhi a ideia, confesso
que ela me afagou o ego. Mas, penso comigo, qual seria o
destino desse livro, senão o leito em que adormecem as obras
efêmeras, que serviram um tempo, que repercutiram durante uns
poucos dias?
Vamos respeitar
a natureza da crônica, vamos deixar que ela seja
passageira e viaje conforme o vento, como a pluma leve que
segue sem rumo. Vamos nos lembrar que cada texto teve o seu
significado próprio, singular, isolado e desprendido, avesso ao
ajuntamento, voltado para objetivos de momentos que um dia
alguns viveram. E ademais seria injusto deixar fora desse todo,
as partes que ainda não a compuseram.
Agradeço a tão
queridos amigos pela lisonja e pela disposição de colaborar, mas
sou nuvem passageira, nunca me moveu o desejo de
eternizar-me, a ilusão da posteridade. Sempre me
senti mais um na multidão dos humanos e, por mais que me
esforce, não consigo mudar isto. Vamos tocar em frente, no
compasso da incógnita, ao som dos ecos de um tempo que ficou
para trás, mas que foi intensamente vivido. |