Falar de velhas lembranças da terra da gente, estando presente nela, como
estou hoje, não é tarefa fácil, pois olhando suas ruas, suas
construções, como estão agora, as imagens do passado se
confundem com as atuais, criando um emaranhado de imagens e
movimentos. Agora Itápolis está todinha calçada, seja pelo velho
torcret, seja pelo asfalto que se espalha pelas ruas mais
distantes de seu centro comercial. Agora Itápolis tem até
semáforos lhe dando um ar de metrópole. Andando por suas ruas
fico buscando o “como era” das casas, das calçadas, das placas
de chapa de ferro ou aço das lojas de antigamente. Muitas coisas
ainda se conservam, mas se perdem nas mudanças das fachadas, no
colorido novo, nos desenhos arrojados e na altura de suas grades
de proteção, infelizmente tão necessárias nos dias atuais.
Mas como sou um
privilegiado da sorte, fui arrastado sem perceber, para um
pedaço bem característico dos velhos tempos. Fui visitar a nova
sede do Diário da Cidade, seguindo o endereço que a Izilda me
enviou. Rodei pela Rua Rio Branco, buscando o número 438, que
anotei errado, e descobri o prédio da frente, ali estava a placa
“Diário da Cidade”. Esperava um prédio novo ou modernizado e
qual não foi minha surpresa ao me deparar com aquela casa que
me foi tão familiar nos meus anos de criança e de juventude?
De repente me vi entrando não só na sede de um jornal, mas numa
casa de família, num lar cuja atmosfera ainda se respira, apesar
dos tantos anos já passados.
Casa com cômodos
espaçosos, pé direito bem alto, banheiros enormes, salas e
quartos que podem abrigar inúmeros moradores e hóspedes, cozinha
ampla e confortável, tudo respirando anos 40. O fundo então me
transportou aos velhos casarões com edícula confortável, e
aquele quintal tão grande, que se pode dividir, deixando
separada a tradicional horta.
Acho que não
consegui disfarçar minha emoção diante da Izilda, que me
mostrava a casa, acompanhada do Sinibaldi. Ambos devem ter
percebido minha reação nostálgica. E não era pra menos, eu
caminhava por dentro de uma casa que frequentei na infância,
junto com minhas primas Mathilde, Júlia e Lala, filhas do tio
Pascoal. Pois ali era a morada da irmã da minha tia Pina, a Dona
Nefa. Eu estava dentro da casa do Sr. Arthur Semeghini, dos meus
velhos colegas de escola, o Idiomar, o Ildenofre, o Ideval e o
Ildenor. Dona Nefa era no registro civil Genoveva Miqueletti,
minha tia Pina, era Josefina Miqueletti, irmãs do Sr. Albino,
pai daquela bonita família da Zelvira, da Eddia, do Onivaldo, do
Dê, do Nin
e da Terezinha. Todos estes personagens compareceram ali, naquele
momento de reencontro. A Izilda me mostrava a sede do Diário e
gentilmente a sua própria casa, e eu visitava mesmo era a casa
da Dona Nefa, rodeado pelas minhas primas e pelas primos delas.
Fiquei impressionado com a conservação do estilo, do traçado, do
jeitão da velha Itápolis que ainda resiste na força daquelas
paredes sólidas.
Agora vejam quão
misteriosa é a mente humana: a atmosfera nostálgica que me
envolve quando volto à minha terra fez mais uma das suas. Vejam
só: hoje, quando voltei ao jornal, quando desci do carro e pisei
a calçada tive a clara noção do que foi o fenômeno que perturbou
minha mente. Na verdade a casa que ostenta a placa “Diário da
Cidade” não é da Dona Nefa, não é o lugar onde eu brinquei com
minhas primas. Aquela casa que me reconduziu à infância é a casa
do lado! Eu entrei ontem na casa vizinha à do meu devaneio. De
certo foi a visão primeira que tive ao chegar por primeira vez
na nova sede do jornal a causa do meu envolvimento. O estilo
antigo de seus cômodos, a dimensão de cada sala, de cada quarto,
da cozinha, do quintal, me transportou a todas as casas da minha
mais tenra Itápolis. Não importa que eu me tenha enganado de
casa, as sensações não foram diferentes do que seriam se eu
tivesse entrado na casa da Dona Nefa, pois eu me senti vivendo
em tempos idos, com criaturas idas, numa paisagem que também já
se foi.
Mas a retomada
do passado não parou por aí, apesar de eu não ter circulado por
casas de velhos amigos. Agora mesmo, em meio à redação desta
crônica, minha irmã Maria Isabel recebe a visita de um
serralheiro que vinha orçar um portão. A chegada dele anunciava,
pelo modo alegre de cumprimentar minha irmã, tratar-se de alguém
jovem e, curiosamente, uma voz familiar. Quando ele se aproximou
eu tive a grata surpresa de reencontrar uma dos antigos amigos
de meu pai. Trabalhava, ele e mais dois irmãos na fábrica de
Bombas Nigro, mas meu pai não chamava nenhum deles de
”empregado”, eram amigos. E o Chico era mais que um amigo. Foi
companhia constante de meu pai durante todo seu martírio no seu
leito de morte. O Chico era seu companheiro nas noites de duras
vigílias, aquele quarto do Hospital de Misericórdia. Como foi
emocionante meu encontro com ele, principalmente por ver que ele
está com aspecto jovem, não mudou quase nada. Francisco Gouveia,
o empresário que toca a Serralheria Gouveia, lembrança viva de
um tempo marcante na vida de minha família, exemplo de homem
solidário, de amigo para o que der e vier. A volta à minha terra
natal não podia ser melhor. |