Depois que o
Diário da Izilda Reis e o site do Valentim Baraldi publicaram
minha crônica que fala da saudosa e querida Dona Inês, a
parteira que ajudou a povoar nossa cidade, recebi, com muita
emoção, a cópia de uma matéria publicada no livro da Nancy
Hauers, na qual a autora faz uma rápida biografia daquela mulher
fantástica que, no seu passaporte italiano, se chamava Angeza.
Quando li isto pensei: “tinha que ter alguma coisa de anjo
nessa criatura.” Pra mim, Dona Inês era aquela senhora
miúda, asseada, perfumada e que pisava o solo com uma leveza
incrível, que conheci na minha mais tenra idade quando ela vinha
trazer meus irmãozinhos. Ela era tão quieta, silenciosa, passos
leves, chegava e saía sem quase ser percebida, discreta, humilde
e delicada, talvez nem avaliasse a sua grande importância para
as famílias que atendia com presteza, fosse chamada à hora que
fosse, para fazer seu trabalho perto ou distante, sob sol
escaldante ou sob torrencial chuva.
O texto da
Nancy, gentilmente enviado pela minha grande e querida amiga,
dona Nair Martelli, mãe de outra amiga maravilhosa, a Vera, me
fizeram olhar para aquele mito, a Dona Ignês Mursi, como a
mulher que ela também sabia ser. Mulher que veio menina da
Itália, que se casou três vezes e enviuvou o mesmo tanto, que
teve quatro filhos, formou uma família. E a pergunta aí me vem:
quem a terá assistido?
Como é bom,
saudável até, fazer a memória ir garimpar no passado, fatos e
pessoas tão sublimes! Eu tenho recebido muitos e-mails e
mensagens, seja por carta, por telefone, pelo Facebook, pelo
Orkut, dizendo da emoção que minhas lembranças trazem aos seus
autores. Isto me faz muito feliz, pois é só isto que eu
pretendo: revivenciar e resgatar a memória de tempos idos, já
tão distantes, que marcaram época e pessoas, fizeram história.
Pretendo continuar estampando através das crônicas o retrato
falado daquilo que foi uma fase da vida da cidade. Gostaria que
outros itapolitanos fizessem o mesmo, abordando fases que se
seguiram aos anos 30 e 40 e que me escapam. Sei que aí na
terrinha tem gente capaz de fazê-lo. E quem se aventurar nesse
mister, verá como é gratificante este passeio pelos meandros da
memória.
Eu mesmo já
venho colhendo doces frutos por causa de meus escritos.
Recuperei amigos que não via há anos, tive surpresas incríveis
que nasceram da leitura de minhas crônicas. Logo nos primeiros
meses que eram publicadas, recebi telefonema de uma senhora,
cuja voz e modo de falar caracterizavam pessoa bem idosa. Era a
dona Yayá Sobrano que me desvendava os mistérios de um míto de
nossa cidade, o Leitão, personagem de uma crônica que eu
acabara de publicar. Depois foi uma carta de Dona Nair Bonan
Martelli, me revelando as ligações familiares do também lendário
Butina. E não para por aí não. Ontem, andando por uma
rua aqui de Santos, atendi ao toque do meu celular e uma voz
marcada pela fragilidade me surpreendeu de modo comovente. Era a
voz de alguém que deixei criança, quando saí daí e que nunca
mais vi nesta vida. Era a voz entrecortada de pausas de uma
criatura com quem brinquei na calçada de minha primeira
vizinhança, ensinando-o a brincar, pois era bem mais novo que
eu. Fazia bem mais de sessenta anos que eu não ouvia a voz do
filho da dona Floriza e do Sr. Líbero Monzillo, o Adail ou
Odair, já não sei mais. Vi-o por última vez quando devia eu
estar com 18 anos, não mais o vi, mas não esqueci dele não.
Tanto que ele buscou contato comigo depois que leu a crônica que
fiz sobre sua família e na qual o citei. Nela eu o chamei de
Adail, ontem ele me disse “Aqui é o Odair Monzillo, lembra?”
“Claro que me lembro, menino! É o filho da Dona Floriza e do
Líbero, não?” Ele vive agora distante de Itápolis, em São José
dos Campos, mas seu cordão umbilical ainda deve estar preso
aquela casa da Rua Treze de Maio, ali onde está hoje a casa que
a Dionê e o Tavinho Zagatti construíram. Nesta vida a gente
chora quando nasce, que é para acionar os pulmões, chora quando
apanha depois de uma traquinagem, chora de saudade, chora de
tristeza, de alegria. Ontem eu senti as lágrimas brotarem de
meus olhos, era o choro discreto de uma emoção pungente que me
devolveu imagens de minha infância.
|