Desde que eu entrei nos meus sessenta anos e lá vão vinte, que as pessoas
amigas, alguns ex-alunos ainda cheios de vida, procuram sempre me
convencer que não estou velho. Alguns dizem, convictos, “Velhice é
coisa de cabeça, você não está velho não!” Outros, generosos e
simpáticos, logo despejam admiração e elogios à minha “incrível
disposição, lucidez admirável, impressionante adaptação ao mundo
moderno”...e dizem: “Você lida com tudo que é atual, computadores,
celulares, domina as novidades tecnológicas!” E por aí vão os
discursos dos que, ainda cheios de vigor, procuram desmistificar a
consciência da velhice.
Quem chegou lá e vive o dia a dia dos setenta, oitenta, noventa anos é que
pode dizer se isto é assim mesmo ou não. Disposição, lucidez,
atualização ajudam muito a atravessar esta fase, ajudam, mas não
eliminam, nem mesmo atenuam o peso que a idade joga sobre o nosso
corpo. Você não ouve tão bem como ouvia, os olhos já não lhe trazem
as imagens com a nitidez de outrora, o sono não vem mais na hora de
sua antiga rotina, você precisa fingir de herói para não demonstrar
cansaço, irritação causada por aquele sono insistente que chegou
fora de hora, diante das visitas. Isto tudo quando não vem a secura
na boca causada pela diabete, as dores nas juntas causadas pelas
artroses, artrites e outras artes dos músculos, nervos, ossos, agora
sempre ameaçados por um leque de transtornos físicos, osteoporose,
tendinite e outros ites.
O segredo do velho é andar atento, tomando cuidado para não derrubar as
coisas, para não ter que abaixar, ah como é duro ter que abaixar,
meu Deus! O velho tem que acostumar a guardar as coisas em lugares
de fácil acesso, porque subir escadas é dureza, além das pernas
tremerem, a sensação de que vai ter uma vertigem é muito frequente.
Conforme a idade avança, é aconselhável que se alarguem as portas da
casa, que se substituam os degraus por rampas, pois nunca se sabe se
não vai ser preciso andar em cadeiras de rodas. Você brinca com os
netinhos muito bem, faz serra-serra, cavalinho nos joelhos, no
pescoço, nas costas, mas com bisnetos não já não vai haver estas
regalias, o serra-serra dura três ou quatro idas e voltas, o
cavalinho logo faz você ficar admirado de como seu bisneto, sua
bisnetinha cresceram!
Além de tudo isto, são poucos aqueles circunstantes que não o vêem como
velho! A maioria sabe que você está velho e como velho deve ser
tratado. Senão veja que presente você pensou pro seu “vovô” que vai
fazer 75. Será que não é um cachecol, um boné, uma bela camisa de
flanela, um par de pantuflas bem confortáveis. E as piadinhas que
nós inspiramos? Uma das melhores é aquela das bodas de ouro! Você
ganha uma festa maravilhosa, veste-se de noivo, troca as alianças e
nos convites para a cerimônia pode-se ler: “a lista dos presentes,
encontra-se na Drogaria da Praça!” E dê-se por muito feliz se
ficarem neste tipo de piadinha.
Posso dizer a vocês todos, com a autoridade de quem há tempos vem
vivenciando este tema, que a velhice existe! E quem chega à velhice
terá muita sorte se contar com amigos de fato, com uma família
composta de pessoas normais – normais que eu digo são aquelas
criaturas que amam o seu próximo, que têm respeito pelos mais
velhos, que não perdem a consciência de que um dia alcançarão a
condição de idosas e assim sendo lhe dedicam cuidados sem humilhá-lo
a todo instante, sem deixar perceberem que você as irrita e as
constrange. Calor humano é bom em todas as idades, mas é muito mais
valioso na infância e na velhice.
Para concluir quero revelar-lhes que me sinto profundamente humilhado,
dada a minha condição de idoso, quando ouço, nos meios de
comunicação, seja TV, rádio ou discursos, dizerem com pose doutoral
que “o Brasil está virando um país de velhos, que a perspectiva de
vida aumentou muito e por isto a Previdência vai ter graves
problemas financeiros! Na verdade estas pessoas, estes órgãos
de estatística, estes institutos sócio-econômicos estão lamentando
que continuemos vivos, talvez até torcendo para que sejamos logo
sepultados e assim deixemos de ser um peso para a nação. A eles e
elas que assim pensam a Nação, deixo uma sugestão: ajudem a
salvar o futuro do Brasil, suicidem-se!, deixem os velhinhos e as
velhinhas partirem quando Deus nos chamar! |