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Estação da Luz no início do
Século XX |
São Paulo, Estação da Luz, noite do dia 3 de setembro de 1956, 22h.
O trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro parte em direção
ao Interior, estou nele a caminho de tomar posse da cadeira de
Francês do Ginásio Estadual e
Escola Normal de Monte Aprazível. Nunca tinha ido para aquela região
do estado, a Alta Araraquarense. Conforme orientação recebida, eu
deveria fazer baldeação em Araraquara, passando para o trem a vapor
(Maria Fumaça), em direção a São José do Rio Preto, que já deixara
de ser apenas Rio Preto e ganhara o acréscimo do nome de seu santo
padroeiro. Lá chegando, eram quase 7 horas da manhã, fui até a praça
em frente a Catedral, onde tomei o Circular Santa Luzia e fui
descer em frente ao Bar Santo Antônio, no alto da Av. Bernardino de
Campos, tudo conforme orientação recebida. Lá, no Bar Santo Antônio,
funcionava a bilheteria da VAP (Viação Aprazível Paulista).
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Monte Aprazível em 1930 |
Tomei um café no balcão do bar, fiquei ouvindo um programa sertanejo
que tocava modas de viola e dava recado para os moradores do campo.
O ônibus predominantemente verde, com dizeres amarelos, encostou,
tomei o meu lugar e logo partimos. O carro subiu a Rua
Independência, alcançou um bairro que se chamava Boa Vista, conforme
me disseram, parou num ponto onde outros passageiros o esperavam,
era o conhecido ponto da Garapa. Logo entramos por uma estrada de
terra que nos levaria a Mirassol, num ponto atrás da Estação de
Trens. Tudo isto na maior lerdeza, cada parada para pegar passageiro
era um tempão de conversê; saímos, pegamos estrada e fomos logo
tomando a entrada de Neves Paulista, passando primeiro por uma vila
chamada Serra Dourada, se não me engano. Finalmente chegamos a Monte
Aprazível, a cidade que povoou meus devaneios de adolescente.
O ônibus da VAP entrava pela Rua Brasil e o que se via primeiro era
a Caixa d’Água; por indicação de passageiros, desci numa esquina que
levava ao Ginásio. Subi dois quarteirões e logo vi a Santa Casa e na
frente dela o Ginásio. Fui entrando e logo vi o guichê da
Secretaria; aproximei-me e me apresentei â secretária. Era a Dona
Nena (Maria Aparecida Garcia de Carvalho). Quando me identifiquei
ela demonstrou grande simpatia e me conduziu até à Diretoria, no
meio do corredor. O diretor fez sinal para que entrássemos, Dona
Nena apressou-se a me apresentar. Aí começou uma inesperada
discussão, pois o diretor, Professor Olindo Cavariani foi logo me
dizendo que cheguei com um dia de atraso, o que o impedia de me dar
posse. Eu deveria retornar a São Paulo para obter junto ao
Departamento de Educação, uma autorização para posse fora do prazo.
Aquilo me deixou perplexo, fizemos o cálculo dos dias, ele tinha
razão, eu deveria ter-me apresentado no dia anterior, esqueci que
agosto tem 31 dias. Mas logo ganhei uma advogada boa de briga, a
Dona Nena. Ela e eu argumentamos que ele podia poupar-me a viagem a
São Paulo, se me desse a posse com data atrasada. O diretor bateu o
pé, a discussão esquentou e, como chegara a hora do almoço, ele me
disse que ia para casa almoçar, que eu pensasse bem, quando ele
voltasse tudo seria resolvido.
Fiquei sentado em uma poltroninha no corredor de entrada,
acompanhado apenas do Sr. Silvestre, inspetor de alunos já em fim de
carreira. Passado um tempo entrou um professor, de jaleco branco,
conversamos, ele também ficou do meu lado. Era o professor de
Geografia, Raul Vieira Luz, uma criatura simpática que me cativou.
O professor Olindo voltou do almoço e encontrou um grupo maior
decidido a me defender. Dona Nena, Prof. Raul, Professora Ruth
Ceneviva, que também chegara e se sensibilizou com a minha situação,
todos fizeram coro pedindo que eleme desse a posse “com data de
ontem”, Ele continuava resistindo e o grupo de meus defensores foi
aumentando, chegaram o Professor Toledo e o Professor Casemiro que,
sabendo da história, tomaram minha defesa. A coisa esquentou. O
Diretor Olindo lançou um argumento legal. “Quem toma posse tem que
entrar em exercício! Eu fiquei até dez horas da noite esperando este
professor, para dar a posse e o exercício! Ele não apareceu!” Dona
Nena deu o xeque-mate: “O Senhor o esperou até dez da noite? Se ele
aparecesse,o senhor lhe daria posse?” , “Claro”, disse ele. “Mas se
não temos curso noturno, como o senhor lhe daria a posse?”,
arrematou a secretária! O Sr. Olindo olhou pra ela durante um longo
tempo, foi um silencio que não acabava mais, quando ele decidiu:
“Dona Nena, vá buscar o livro de posse! Seja bem vindo, professor de
Francês!”
Foi assim que cheguei em vez primeira na cidade que, como um imã, me
atraía. E a primeira emoção foi-me dada pela solidariedade de
colegas que eu estava apenas conhecendo. Mais tarde, leitor, você
vai saber por que razão criei o slogan “Monte Aprazível, capital da
Solidariedade”. |