Desde pequeno conheci o ímpeto da paixão. Só eu
sabia que nos momentos de contemplação, no meu peito de criança
pulsava uma forte paixão por alguma deusa de plantão. A primeira foi
a Dona Mazé, eu fui apaixonado por ela e achava que todos os meus
coleguinhas também eram, por isto os via como rivais. Todos faziam
fila para beijá-la quando chegávamos e quando íamos embora de sua
escola. Dona Mazé usava pó de arroz de alfazema e aquele perfume me
inebriava e eu caminhava pra casa volta e meia cheirando a mão, numa
espécie de encantamento. Eu não pensava nada que fosse obra de
desejo, de pecado, eu queria estar perto dela, por isto não via a
hora de chegar meio dia, hora de pegar minha prima Terezinha, na
casa da Nona e tomar o caminho da escola onde estava a minha amada.
Depois, já no grupo escolar, a musa de plantão era uma professora
que veio de fora, Dona Noêmia. Por vários meses nutri uma grande
paixão por ela. Via-a em sonhos, na missa rezava por ela, queria
crescer depressa, para poder revelar ao mundo minha paixão. Já bem
crescido fui encantado pela menina que veio de Piracicaba, que era
filha do homem que instalou e criou a programação de nossa primeira
rádio, a ZYQ-4. Era a filha adolescente do Moacyr Ribeiro. A paixão
foi tão secreta, que nem o nome dela eu sabia e até hoje não sei.
Nunca consegui desvendar de onde vem esta minha
tendência sentimental. De repente a paixão se instalava em mim, eu
curtia aquilo com todo o cuidado para que ninguém percebesse e, o
que era interessante é que não brotava em mim nenhum apetite carnal.
Era uma espécie de adoração, como a adoração que eu tinha pela
Virgem Maria. Até hoje eu vejo as mulheres que amei e aquela que
tomou meu coração de vez, como criaturas dignas de todo o meu
respeito, não sei amar que não seja predominantemente em forma de
sentimento, o aspecto carnal acontece como consequência. E estas
paixões foram fundamentais na construção da minha personalidade.
Eu falei da paixão oculta,
secreta, pela menina de Piracicaba,. Pois é, durou enquanto ela
morou em Itápolis. Toda vez que a via era envolvido por um forte
“frisson”, uma espécie de calafrio que brotava na alma. O dia
chegou, ela foi embora. O pai dela foi contratado para instalar
outra rádio e a cidade era Monte Aprazível. Foi a primeira vez que
ouvi o nome, era pra lá que ela estava indo. Monte Aprazível
instalou-se no meu campo imaginativo, eu a erigia bela e doce como a
menina que foi embora, aquela cidade que, na época, era bem longe,
lá no sertão de Rio Preto, diziam. O tempo passou, outras paixões
vieram, cada vez mais intensas e, por isto, difíceis de disfarçar.
Esta que descrevi era mais ligada à realidade,
Dona Mazé, Dona Noêmia, eram paixões descabíveis como um quase
transtorno emocional. O tempo passou, eu virei cidadão, cheguei à
vida profissional, carregando outros amores, desta vez ligados à
realidade. Formei-me professor, chegou a hora de enfrentar o
concurso oficial para ingressar na condição de dono efetivo de uma
cátedra. Inspirado pelas belíssimas aulas de Dona Dalva Nery Caivano,
minha mestra de Francês, estimulado pelo impulso que me dava a
professora Dona Lili Cristina Di Muno, minha mestra de desenho,
cheguei ao ponto almejado. Aprovado em primeiro lugar no Concurso
Oficial do Magistério Secundário, chegou o dia de escolher a escola
onde iria trabalhar. Era junho de 1956, numa tarde fria, no Colégio
e Escola Normal “Caetano de Campos”, Praça da República de São
Paulo, local da escolha. Como primeiro a apontar no mapa a
escolhida, eu tinha o Estado todo à minha disposição. Havia um
cobiçado colégio na Avenida Paulista, outro bem localizado na
Avenida Tiradentes, eu subi a plataforma onde estava o Mapa de São
Paulo, com demarcações espetadas sobre cada local onde havia escola
disponível, todos os colegas presentes apostando que eu escolheria o
da Avenida Paulista, mas um impulso que nasceu do fundo da alma, um
suave sopro sussurrou-me ao ouvido: “olha lá, Monte Aprazível”, meu
dedo caminhou certeiro para aquele ponto verde a indicar a minha
primeira escola conquistada. Naquele instante ressurgiu em minha
mente a figura da menina sem nome que povoou meus sonhos naqueles
tempos de fantasia e devaneio. Finalmente eu ia conhecer a encantada
cidade despertada outrora.
Foram anos de encantamento, os que eu vivi
naquela terra acolhedora, sorridente, bem humorada, carinhosa, onde
fomos felizes, onde vi meus filhos curtirem a vida como nunca antes
e como nunca depois. Minha Represa dos Sonhos, minha Capital da
Solidariedade, tenho-a cravada no peito, inesquecível e quando penso
em você, terra gentil, repete-se o frisson que era movido pelas
minhas pungentes paixões de menino sonhador. Para provar que não a
esqueço, vou contar tudo que vi e que curti em suas ruas, em sua
praça, nas serestas, nas folias de Reis, nas rodas de bate papo no
famoso Bar do Abílio, sobre toda aquela gente que conheci, com quem
convivi e que pude admirar e ainda vive viva em minha memória. É
só esperar. |