Primeira metade do Século XX, que começou prometendo grandes
mudanças, muitas inovações, logo no segundo decênio teve a Primeira
Guerra Mundial, que durou de 1914 até 1919. Logo em seguida os
intelectuais brasileiros, ainda recém libertados da influência
europeia, lançavam-se numa aventura inédita no mundo, a Semana de
Arte Moderna, de 1922, que agitou São Paulo, recriando a
linguagem poética e as manifestações artísticas, fazendo despontar
Mário de Andrade, Oswald de Andrade. Menotti Del Picchia (leia-se
Del píkia), Cassiano Ricardo, Anita Malfatti, Tarcilla do Amaral,
Pagu, Plínio Salgado. Era uma explosão de rebeldia e de atrevimento,
no estilo “pour épater les bourgeois” (para chocar os burgueses).
Era o Século XX mostrando sua cara! Alguns anos mais tarde, outra
sacudidela do novo século: a sangrenta Segunda Guerra Mundial,
declarada em 1939 e que teve seu fim dia 8 de maio de 1945, final
tão desejado, que nos foi anunciado pelos sinos da Igreja Matriz,
tocados pelo Frei Elias e pelo Frei Edvino. Antes disto, depois da
Semana de Arte Moderna, tivemos a época das Melindrosas que só se
evaporou com o famoso “crack da bolsa de Nova York”, quebra
histórica das grandes fortunas, com consequências e mudanças no
mundo todo.
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Mário
de Andrade autor de Macunaíma, Amar Verbo Intransitivo,
entre outras obras |
Oswaldo de
Andrade, autor dos dois mais importantes manifestos
modernistas: Manifesto da Poesia Pau-Brasil e Manifesto
Antropógrafo |
Menotti Del Picchia,
entre suas obras destacam-se a Poesia
Juca Mulato (1917)
w o romance lama e argila (1920; após a 4a ed.,
intitulou-se A tragédia de Zilda) |
Anita Malfatti,
em
1928,
pintou Abaporu, tela que inspira o movimento
antropofágico, desencadeado por Oswald de Andrade (1890
– 1954) e Raul Bopp (1898 – 1984). |
Mas, calma aí, minha gente, isto acontecia em São Paulo, Rio, Paris,
Nova York. São Paulo, sempre na vanguarda da intelectualidade
brasileira fez a revolução modernista, que teve seus respingos no
Rio de Janeiro, com o apoio do pintor Di Cavalcanti, do poeta
pernambucano radicado no Rio, Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho e
outros. Mas no interior do Brasil, no sertão brasileiro, onde ainda
se situava a nossa Itápolis, pouco se inovou em termos de arte e de
entretenimento. Continuávamos com nossos saraus literários, com
nossos ídolos oriundos das artes do século XIX. O que se viu de novo
foi o advento do cinema, que começou de forma precaríssima, com os
filmes mudos e em preto e branco projetados ao ar livre, porque a
máquina de projetar era movida por motores de carros, automóvel,
caminhão, ou veículo similar. Meu pai mesmo contou que ia a Tapinas
com um Chevrolet “cabeça de cavalo” para “fazer cinema no largo da
igreja” Estendiam um lençol branco pregado numa das paredes, ligavam
o motor do Chevrolet e passavam o filme, sem som, sem legendas, só
as imagens. Mas, apesar de tal pobreza de recursos, aquilo era uma
grande atração, o que mostrava que o bicho-homem tem fascínio pela
imagem.
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Chevrolet Cabeça de Cavalo, um dos primeiros veículos a
circular pela cidade |
Itápolis teve logo o seu cinema em grande estilo. O Cine Theatro
Central, de saudosa memória, virou a “coqueluche” dos itapolitanos.
Ir ao cinema era, além de uma distração inigualável, um ato de
sociabilidade, um atestado de bom gosto, uma certidão de “status”. E
como funcionava este cinema? O nosso idolatrado Cine Theatro Central
nos orgulhava pela sua majestosa arquitetura, pela sua sirena
convidativa, pelo seu hall de entrada luxuoso, sua bilheteria
simpática, suas cortinas aveludadas. Atravessar aquelas cortinas,
afastando seus tecidos macios, era algo que causava emoção. A gente
entrava e via aquela plateia agitada à espera da sessão prestes a
começar. O espetáculo das frisas laterais que abrigavam famílias ou
grupos de amigos, a visão dos camarotes nas laterais das galerias
superiores, a varanda, o som do piano a preparar o ambiente, como
quem quer acalmar os ânimos. As pessoas se cumprimentavam, trocavam
gentilezas, ali estava a sociedade “itapolense” como gostava de
falar o Chico Guzzi, dono do Boulevard Itápolis.
O pianista já ia arrumando as partituras do filme da noite, as luzes
iam-se abrandando lentamente, o piano rugia uma música forte que
ilustrava as imagens dos próximos filmes. Em seguida a música ficava
saltitante para emoldurar a comédia, que ora era de O Gordo e o
Magro, do Carlitos (Charles Chaplin), do Boca Larga, do Bob Hope e
Lou Costello, dos Tres Patetas, dos Irmãos Marx. Depois vinha um
rápido intervalo, logo a campainha entoava o primeiro, o segundo, o
terceiro sinais, todo mundo a postos, começava o grande filme. O
primeiro que eu, menino de sete anos, vi, às escondidas, foi “Beau
Geste” (Belo gesto – leia-se bô gést), uma aventura na legendária
Legião Estrangeira, com Ronald Colman e Claudete Colbert, versão
original filmada em 1926, que passou em Itápolis em 1939, ano em que
Holywood lançava sua nova versão falada e colorida, com Gary Cooper
e Suzan Hayward.
Naquele tempo o cinema pertencia ao Sr. Polachini (pronuncie
Polakini) e tinha um filme novo em cada dia da semana, só
reprisando, na segunda feira, o filme de domingo. E havia um tipo de
sessão para cada noite. Terça feira, ressaca do grande filme de
domingo, era a Sessão das Moças: rapaz acompanhado de uma senhorita,
ela entrava de graça. Quarta feira, Sessão do Troco, para captar
dinheiro miúdo, quem pagasse trocado ganhava um desconto. Quinta
feira, Sessão dos Casais, casal casado que fosse, pagava uma só
entrada. No domingo às 14 horas havia a “matinée” (em francês isto
significa sessão matinal, mas acontecia à tarde). A matinê era a
festa da garotada, passava uma boa comédia e em geral um bom
faroeste, com os ídolos da época: Charles Starrett, William Boyd,
Jack Palance, Roy Rogers que mais tarde foram sucedidos por John
Wayne, Randolph Scott, Kirk Douglas, Gregory Peck e outros.
O cinema era tão importante para nós, que a cidade ficava enfeitada
com bandeirolas coloridas quando um grande filme era lançado! Lá em
cima, na sala de projeção, Orlando Éllero operava o milagre da
integração. Toda gente que lá dentro estava, comungava das mesmas
emoções! |