Acho que é a
milésima vez que vou repetir: saí de Itápolis no começo de janeiro de 1952, ano
em que ia completar meus 20 anos de idade. Era a primeira vez que me afastava
além dos limites que eram formados pelas cidades vizinhas, Borborema, Novo
Horizonte, Catanduva, Itajobi, Taquaritinga, Matão, Araraquara, a mais distante,
Tabatinga e Ibitinga, as mais próximas. Meu pai me levou, mas só minha mãe sabia
que eu ia para ficar. Fomos de jardineira até Araraquara e lá pegamos o trem
elétrico que vinha da cidade de Colômbia, além de Barretos. Depois de quase oito
horas de viajem chegamos à Estação da Luz. Esperava-nos o tio Vitório, irmão
mais novo da primeira esposa de meu pai, já falecida, Catarina Pace, que seria
tia da Bela, do Nilo, do Danilo, do José Carlos, do Mauro Pace, gente que todos
conhecem aí na terrinha.
Logo que cheguei,
a tia Léia que sabia das minhas intenções, aproveitou que meu pai tinha saído
com meu tio e me avisou que eu perdera a inscrição para o 1º Concurso de
Habilitação à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, pomposo nome que
ainda se dava para o Vestibular. E logo me tranquilizou informando-me que as
vagas não foram preenchidas e que, portanto, haveria uma segunda oportunidade no
mês de fevereiro, O problema era convencer meu pai a permitir que eu esticasse
meu “passeio” em São Paulo; disso quem cuidou, com muita competência, foi a tia
Léia e acabei ficando.
No dia seguinte à
volta de meu pai para Itápolis, fui logo cedo à Rua Maria Antônia, bairro da
Vila Buarque,já próxima do Centro, onde funcionava a Faculdade. Voltei para a
casa dos tios já inscrito para o 2º Concurso de Habilitação. Na época o Curso de
Letras oferecia 65 vagas para as três modalidades, Letras Clássicas, cujo núcleo
principal era formado pelas línguas e literaturas gregas e latinas, Letras
Anglo-germânicas, cujo núcleo eram as Línguas e Literaturas inglesas e alemãs e
Letras Neolatinas, cujo núcleo se compunha das línguas e literaturas espanholas,
italianas e francesa. A língua portuguesa, a língua latina e suas respectivas
literaturas eram obrigatórias nos três cursos.
Ao mesmo tempo em
que me preparava para o desafio do vestibular, procurava um emprego que rendesse
o suficiente para cobrir minhas despesas pessoais, de moradia, biblioteca
pessoal, viagens para Itápolis e lazer. Enquanto isto vivi dias maravilhosos na
casa do tio Vitório. Além do casal que era bondoso, simpático, interessado em
assuntos culturais, havia o Alexandre, filho do casal que estava vivendo sua
infância, era uma graça de menino e gostava de ser chamado de Xandico.
Pela primeira vez
na vida, por causa do Xandico, ouvi a deliciosa melodia composta por Bramhs, a
canção de ninar “Lulabay”, que quando ouço me devolve o cenário da Alameda
Lorena, no Jardim Paulista. Foi esse casal inesquecível que me trouxe pelas
primeiras vezes para Santos, onde viviam os pais da tia Léia. Como demorava a
conseguir emprego, convidado pela tia Santinha, irmã de minha mãe pelo tio
Domingos, mudei-me para a casa deles no bairro do Jardim Paulistano, primeiro na
Rua Maria Carolina, depois na Avenida Eusébio Matoso, onde recebi todo o apoio
para os estudos e o conhecimento daquela São Paulo, que era para mim tão grande
e agora vejo que era bem pequena, aconchegante, cheia de encantos. Ali passei
dias maravilhosos com meus primos Graziela, Domingos Jr , Dozinho para os
íntimos e Romualdo.
Já em meados de
1952 consegui emprego na Ultragaz, rodei com aquele caminhão de entrega por tudo
quanto é bairro, por tudo quanto é rua, pois os poucos caminhões bastavam para
servir uma população ainda acostumada aos fogões antigos, os Econômicos, que
eram movidos a pequenos tocos de madeira, aparados na medida certa, os fogões e
fogareiros elétricos e os abastecidos com gás de rua. Os botijões ainda eram
novidade.
Como havia
planejado, mudei-me para a Pensão
de Estudantes da Dona Celina, esposa do antigo farmacêutico de Borborema,
Julinho Mallet, irmã de minha tia-avó Mariana, esposa do também farmacêutico tio
Elpídio Sene. Era um sobrado confortável à Rua Edson Dias, no bairro de
Pinheiros. Dona Celina deu-me uma cama no quarto de seu filho Álvaro Antônio,
que fora meu colega no Colegial do “Valentim Gentil”de Itápolis e morara em
minha casa, dividindo comigo o quarto, quando ficou para trás na mudança de seus
pais, pois estava completando o ano letivo. Neste pedaço de tempo comecei a
conhecer o que era pegar ônibus e ir trabalhar de dia e frequentar com
assiduidade as aulas do Curso de Letras Neolatinas.
São Paulo dos
anos 50 foi uma experiência muito rica e gostosa, pois era uma cidade tranquila,
muito movimentada, mas sem os traumas da sua vida de hoje. Se os seus
governantes tivessem organizado planos diretores que racionalizassem seu
crescimento, se no Brasil houvesse uma política migratória que evitasse os
êxodos e as invasões tresloucadas, talvez houvesse sobrado um pouco daquela
metrópole gentil e acolhedora. |