Eu já disse em crônica passada
que sou preguiçoso, mas não um preguiçoso comum, desses que vivem com a popular
“nhaca”, que fogem do batente, o preguiçoso crônico. Minha
preguiça é do tipo aguda, é daquelas que atacam uma vez ou outra, mas
quando atacam, é pra valer.
A gente pode ser acometido de
três maneiras: preguiça física, preguiça mental ou as duas juntas. Eu estou
atacado pela preguiça mental, estou com preguiça de pensar, preguiça de por a
memória a trabalhar, preguiça de escrever, de compor frases, parágrafos, de tudo
que mexe com a cabeça. São coisas que acontecem com todo mundo.
Eu tive amigos, colegas,
parentes que tinham suas peculiaridades comportamentais, como esta minha
preguiça. Quando iniciei meus estudos universitários, conheci um colega cuja
particularidade era a distração e o esquecimento. Fernando de Carvalho era o
nome dele.
Quando o vi pela primeira vez,
quem estava comigo o descreveu como um gênio, um conhecedor profundo de
literatura e quando eu perguntei “que curso ele faz?”, o colega me disse: - “Ele
cursa Letras Clássicas, agora ele está no 3º ano”, mas poderia já estar formado
há muito tempo.” E explicou: - “O problema do Fernando é que ele é distraído
demais. Você imagina que ele já está fazendo este curso há sete anos. Ficou
reprovado no primeiro ano, da primeira vez, porque saiu da prova final de Latim,
pra ir ao banheiro, encontrou um colega, foi tomar um cafezinho com ele, o cara
tinha que ir à Livraria Brasiliense lá no Centro, convidou pra ele ir junto, ele
foi. Só foi lembrar-se da prova depois que ela tinha acabado. Aí outro dia, na
prova de Português, ele terminou, ia entregar a prova, mas como estava apertado,
foi ao banheiro, de lá acabou indo pra rua chamado por um colega, resolveu pegar
o bonde pra ir para casa. Entrou no bonde com a prova entre os cadernos,
esqueceu todo o material no bonde e com isto, tirou zero.”
Eu estava impressionado com
tanta distração, mas tinha mais. O Fernando, contou o colega, já na segunda vez
que fazia as provas finais do 2º ano, foi retirado pelo bedel, Sr. Alcebíades,
que parou na porta da sala e anunciou: - “Fernando de Carvalho, não adianta o
senhor continuar a prova, o senhor esqueceu de fazer a matrícula no começo do
ano, portanto não está matriculado. Se quiser, pode ir embora.”
Eu alcancei o Fernando no 3º
ano. Mais tarde ele foi ser meu colega na Faculdade de Filosofia de São José do
Rio Preto, como catedrático de Literatura Portuguesa, causando enorme admiração
aos seus alunos e a quem assistisse às suas aulas, pelo conhecimento elogiável
que tinha das letras. Mas continuava distraído.
Na primeira noite em que, depois
das atividades noturnas, fomos nos reunir no Restaurante do Papai, quando chegou
a hora de ir embora, alguém convidou: - “Fernando, quer uma carona? Eu o levo no
meu carro, vamos? Pra que lado você mora?” – O Fernando coçou a cabeça, olhou
pra nós implorando uma ajuda, e por fim confessou: - “Olha que eu não tenho a
menor ideia!”.
Há os que são preguiçosos, há os
que são distraídos, há os esquecidos, há também os chamados “pé frio”. Na
faculdade tínhamos um colega especializado em botar apelido nos outros. O
Gianini punha um apelido em alguém, o negócio pegava. Um dia ele apareceu com um
sujeito que veio com ele pra sair com a gente e foi logo apresentando: - “Este
aqui é o Mau Sucesso!”. Ao perceber nosso olhar de estranheza foi explicando:
“Não tem Bonsucesso? Pois é, este é o Mau Sucesso! Logo vocês vão saber porque!”
E não demorou. Fomos para o
ponto do bonde, que ali passava um atrás do outro, e já fazia quase uma hora e
nada, nenhum bonde. Aí chegou a notícia: caiu um poste na Avenida Angélica e os
bondes estão todos parados porque não tem energia naquele trecho. Resolvemos ir
pegar o da Consolação Entramos no bonde, daqueles fechados, chamados de
“camarão”.
Nem bem sentamos e o bonde deu
um tranco repentino, quem estava em pé foi parar lá na frente. Logo sentimos o
cheiro forte da fumaça, que saía da parte debaixo. - “Vamos! Descendo todo
mundo!” Lá vamos nós a pé! Tudo bem, paciência, né? Chegamos no centro,
dirigimo-nos à Rua Dom José de Barros pra pegar um filme erótico que estava em
cartaz no Cine Jussara.
Fila enorme, sessão corrida,
não tem importância, a gente queria ver o filme! Entramos, cinema lotado,
ficamos em pé no corredor! Filme erótico naquele tempo, anos 50, podia passar
até em sacristia. Demorava uma eternidade pra vir uma cena picante. E quando
começou a primeira cena promissora, que o casal entrou no quarto, aquela hora
que a platéia masculina começa esfregar as mãos, puff! Um clarão lá em cima, lá
atrás de nós, veio da cabine de projeção. - “Gente, vão saindo com calma”, dizia
o lanterninha! - “Acabou a sessão! Incêndio na cabina! Evacuando! Evacuando!”
Com muito custo, saímos na
calçada, o Gianini olhou pra nós e perguntou: - “Ele é ou não é o Mau Sucesso?”
Querem saber o verdadeiro nome do moço? Eurico Fernandes Graça. Fale depressa
este nome, fale! |