Na entressafra ditatorial de 1946 a 1964, quando houve uma ilusória
realização do sonho democrático no Brasil, os itapolitanos, vínhamos de uma
sequência de curtos mandatos de prefeitos municipais. Desde a revolução de 1930,
passando pelo Estado Novo (de 37 a 45), os mandatos de nossos prefeitos duravam
no máximo 3 anos, pouquíssimos chegaram a tanto. Basta você entrar no link
http://www.itapolis.sp.gov.br/ e conferir a lista de todos os prefeitos da história de nosso município e
você verificará a veracidade desta afirmação. Na verdade, só a partir de 1º de
maio de 1949 é que Itápolis voltou a ter prefeitos com mandato de quatro anos de
duração.
A mesma coisa pode-se dizer dos mandatos dos governadores do Estado. A
alternância de poder era dinâmica o que revela que não havia jogadas,
subterfúgios jurídicos para se perpetuar no poder. De 1930 a 1949, 19 anos,
portanto, tivemos 15 trocas de prefeitos na nossa Itápolis. No governo do Estado
de São Paulo não foi diferente, de 1930 a 1947, 17 anos de comando, 19 trocas de
governantes.
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Presidente Getúlio Dorneles
Vargas |
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Governador Adhemar de Barros |
Foi a partir de 1948, com a posse do ex-interventor nomeado por Getúlio
Vargas, enquanto ditador, Adhemar Pereira de Barros, agora eleito pelo povo
paulista, que se iniciou o período democrático pós-Vargas, com mandato fixado em
quatro anos de duração. Nesse período, Itápolis passou a ter sempre prefeitos
eleitos pelo povo, mesmo durante o regime de exceção de 1964 a 1985, enquanto o
governo do Estado teve apenas quatro eleitos, pois depois do golpe de 1964, até
à cassação do governador Adhemar de Barros, na sua segunda passagem como eleito,
os governadores passaram a ser nomeados pelos militares, criando-se assim a
figura do governador biônico.
Nossa combalida democracia cedia, em 1964, lugar a uma nova ditadura, que
durou cinco anos mais que a ditadura Vargas. E qual a diferença entre as duas
ditaduras? A primeira grande diferença é que Getúlio tornou-se ditador numa
época de grande turbulência das classes dominantes que se dividiam em produtores
rurais e a nova classe industrial, entre os que estavam acostumados a ter
escravos e não se conformavam com a abolição decretada pela Princesa Isabel
(fazendeiros) e os que se modernizaram e aceitavam pagar salários aos seus
empregados (industriais).
Getúlio introduziu a primeira e sólida Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT), tão sólida que vigora até hoje e pouco foi alterada, de tão completa. A
reação dos patrões, acostumados a não ter limites em suas exigências frente aos
trabalhadores, foi fortíssima e Getúlio viu-se acuado, vendo sua lei trabalhista
ser pouco respeitada. Passou a agir com autoritarismo, ignorando preceitos
constitucionais, a ponto de ver os paulistas se levantarem contra o governo
federal, eclodindo aí a Revolução Constitucionalista de 1932.
Saiu vitorioso e ganhou condições para instaurar o Estado Novo, em
novembro de 1937, que lhe deu poderes ditatoriais. Acontece que, em 1964, a
situação era muito diferente e os militares tomaram o poder para brecar a forte
tendência reformista pregada inicialmente por Jânio Quadros e depois por João
Goulart, principalmente a Reforma que iria controlar o envio para o exterior dos
lucros das empresas multinacionais. Grandes interesses econômicos passaram a
correr perigo e os mesmos que tentaram o golpe fracassado contra Juscelino
Kubitscheck em 1955, perpetraram o Golpe de 31 de março de 1964, desta vez bem
sucedido.
A segunda grande diferença entre as duas ditaduras é que Getúlio e seus
adeptos fizeram uma “revolução” institucional contra as grandes oligarquias que
mandavam no Brasil, contra o coronelismo vigente. Já os militares de 1964
fizeram uma outra “revolução”, essa voltada contra a inteligência brasileira.
As maiores vítimas foram, sem sombra de dúvida, os intelectuais, os artistas de
vanguarda, os livre-pensadores, os militantes do reformismo, que lutavam pelas
chamadas então “reformas de base”, que transformariam nossa economia, nossas
relações internacionais, nossa educação, nossa saúde, nosso mercado interno.
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Mal. Castelo Branco, o
primeiro Presidente militar após o Golpe de 31 de março de 1964 |
Os militares vieram para aniquilar os que eram contra o “trust” (formação
de carteis e monopólios comerciais e industriais), que eram contra o envio de
98% dos lucros das empresas internacionais para seus países de origem. Estas
duas vertentes adversas deixavam claro que Vargas era um ditador voltado para
mudanças, para o futuro, enquanto os militares e as classes econômicas que os
apoiavam, eram voltados para o passado, lutavam paras conservar o status quo,
não admitiam o espírito reformista que já vinha se formando desde a queda de
Getúlio, em 1945.
Estas grandes diferenças, no entanto, não anulavam o traço comum entre as
duas ditaduras: ambas eram liberticidas, ambas usavam a lei da força e
não a força da lei. Ambas, como todas as ditaduras, não respeitavam a
cidadania, o direito à opinião e à expressão desta opinião. Ambas usavam métodos
desumanos de repressão, desrespeitando a vida e a integridade física e moral das
pessoas, ambas desprezavam o direito à dignidade do cidadão.
O homem solidário, o homem justo, o homem respeitoso, o homem que pensa na
coletividade, não só em si próprio, o homem manso de que fala a Bíblia, o
cristão, o homem que preza seu direito de pensar, este homem não tolera a
ditadura, seja ela de que natureza for. Não existe a boa ditadura, mesmo que ela
coloque ordem na casa, pois logo ela colocará desordem na sua independência, na
sua dignidade. Não existe ditadura de esquerda ou de direita. A ditadura só leva
o país para trás e o cidadão para as cavernas, ditadura é atraso, é ignorância,
é imoral. |