Na primeira
metade do século XX, tempo em que ainda era recente a chegada
das levas de imigrantes que buscaram nosso país, na última
quadra do século XIX, os costumes das famílias itapolitanas eram
diferenciados, segundo a origem de cada grupo.
Naquela época,
se todos os habitantes do município se reunissem numa praça e
começassem a falar todos juntos, você teria a edição ilustrada
da Torre de Babel. E a diversidade não se limitava às línguas,
aos dialetos, aos sotaques. A comida trivial era variada e
influenciada pela cozinha dos diversos países que nos mandaram
filhos seus; as roupas comuns também seguiam a mesma tendência,
assim como as músicas que se cantavam, as danças que se
dançavam, as brincadeiras com que se divertiam.
Além das
diferenças de origens, havia que se levar em conta que era uma
época bem diferente dos dias de hoje. O que marcava basicamente
o modo de se vestir era o recato. Tanto homens, mulheres, moços
e moças, meninos e meninas, vestiam roupas que escondiam a maior
parte do corpo.
No dia a dia, os
homens vestiam camisas com botões que iam do umbigo até o gogó,
e estes eram mantidos abotoados. Se o trabalho se dava em
ambiente formal, bancos, repartições públicas, consultórios,
escritórios, clínicas, gabinetes dentários, lugares deste tipo,
o uso do terno completo era obrigatório. O terno completo era
composto de calça, paletó e colete, daí o nome “terno”, roupa
composta de três partes.
As mulheres
usavam roupas bem fechadas, que lhes cobriam quase todo o corpo.
O estilo podia variar, o tecido mudava conforme a estação, mas o
manequim variava muito pouco. No verão era permitido exibir os
braços, desde que as mangas fossem generosas e cobrissem até os
cotovelos; das pernas o que se viam eram os tornozelos e olhem
lá. Os decotes eram tão rasos que nem deveriam ser chamados de
decotes.
As mulheres mais
velhas, do tempo da minha infância, anos 30, ainda conservavam
peças que vinham da moda do século XIX: corpetes, anáguas
sobressaias, meias compridas que se prendiam com ligas, algumas
andavam empinadas por causa dos espartilhos, um tipo de corpete
armado que tinham por objetivo manter o corpo ereto.
O advento do
sutiã foi uma revolução que, no início, sofreu forte resistência
das mães de família e das vovós. O sutiã veio para desbancar o
corpete e o espartilho. Mas não pensem que eram como os de hoje,
qual o que! Eram bojudos, confeccionados em tecidos compactos,
cobriam todo o seio e boa parte da cintura, suas alças nunca
deviam aparecer.
É preciso
destacar um fato histórico que foi a moda que ousaram adotar as
mulheres de classes diferenciadas, como as feministas da época,
as intelectuais, as independentes, geralmente ricas e viajadas.
Isto se deu entre os anos 1922 e 29, período que se seguiu ao
movimento modernista que pretendeu romper com as velhas
tradições.
Da Carolina do
Norte, Estados Unidos, inspirados em danças e ritmos negros
inovadores, as mulheres destas classes importaram a moda do “Charleston”,
que começava com sua dança e seu ritmo, super alegres e, diga-se
de passagem, lindos, e atingia em cheio a moda ousada das
“melindrosas”, com suas saias encurtadas, seus decotes
generosos, os matizes coloridos e alegres dos tecidos, os
colares que desciam até abaixo do umbigo, a piteira como
adereço, a indicar que podiam ser fumantes.
Estas mulheres
ditas “atrevidas”, afrontavam a velha sociedade com seus cabelos
curtos, à la garçonne”, seus chapéus reduzidos, que só
usavam de dia, contrariando os velhos hábitos de chapéus grandes
e floridos, que se usavam em todos os eventos. Esta fase chamada
de “anos loucos da moda”, surgiu logo depois do fim da 1ª
Guerra Mundial e durou até a grande Depressão de 1929.
Ainda nos anos
30, quando eu tinha uns 6 anos, eu cheguei a ver algumas moças
vestidas como “melindrosas”, mas então como fantasias nos
carnavais, desfilando em carro aberto, porque a moda louca
passou e se apagou, tudo voltou ao estilo recatado, mas
modificado, é claro, influenciado pela sacudidela com os
efeitos inevitáveis dos anos 20.
A evolução das
roupas de acordo com a idade era muito interessante. Criança
nenhuma era vestida como adulta, as roupas dos meninos e das
meninas tinham o corte típico da infância, tudo que as crianças
usavam, desde as roupas até os brinquedos, eram feitos
respeitando sua idade.
A menina tinha
que ter a graça das bonecas, suas vestes se inspiravam nas
roupinhas de suas bonecas, que eram vestidas como crianças, como
meninas. Não havia lugar para esta artificialidade que é a
Barbie, figura deformadora da ideia de infância. Os cabelinhos
das meninas eram cuidados com muito carinho, mas em casa, pela
mãe ou pela irmã mais velha. Eram as tranças, as fitas estreitas
e os laços largos.
Os cachinhos
eram a grande atração e quando a criança não os tinha, usavam-se
os papelotes, tiras de papel consistente que enlaçavam as mechas
dos cabelos, em grande quantidade, assim se conservavam a tempo
de fixarem os cachos. O papelote foi o precursor dos “bobs”.
Os meninos
vestiam calças curtas até a idade adolescente, somente aos 15
anos ia vestir sua primeira calça comprida. A maioria das
famílias confeccionava suas roupas em casa e a roupa perdida no
crescimento era ajustada para o irmão mais novo. Usava-se muito
o suspensório, geralmente feito do mesmo tecido da calça, alguns
preferiam comprá-lo.
Esses
suspensórios às vezes causavam constrangimento para alguns
meninos, pois se esse crescia e continuava a usar a mesma calça,
é lógico que o suspensório acabava puxando demais a calça, cujos
fundilhos acabam penetrando demais entre as pernas, criando uma
imagem que provocava o riso dos circunstantes. E quando isso
acontecia, havia uma expressão que os gaiatos acabavam usando,
ao gritar “A vaca está mascando”. Como era comum acontecer isso!
E quanta briga de rolar no chão isso causava!
Se você, meu
leitor, enveredar pelo Google, pesquisando a moda dos anos 20,
30, 40, você encontrará um mundo de modelos de roupas infantis,
das saínhas com babados em cascatas, às roupinhas de fustão, de
organdi, de lese; os terninhos de marinheiros dos meninos, as
saias plissadas das moças, os ternos sóbrios dos moços e dos
homens, a moda “Charleston” de que falei.
Era um outro
tempo, um outro universo. A roupa dos que moravam no campo era
completamente diferente dos da cidade, desde os tecidos até os
modelos. Quando a família era numerosa, os tecidos eram
comprados em peças fechadas, havia o dia do semestre para umas,
do ano para outras famílias, em que iam todos à casa de calçados
para comprar os sapatos, saíam todos “pisando duro”.
E esses artigos
tinham que durar e muito, o que garantia o serviço dos
sapateiros que trocavam as meias-solas, os saltos e os íliós.
Eram tempos livres do consumismo e da indústria de “carregação”
de hoje, que fabrica para durar pouco. Havia fartura de comida,
de agasalhos e sossego de espírito, porque se gastava com
parcimônia |