Quando morre
alguém da minha terra, alguém com quem tive convívio naqueles
anos de juventude e de todas as esperanças ainda intatas é como
que houvesse a perda de um pedaço da minha cidade, o
desmoronamento da casa onde ele vivia, o ofuscamento de um
cenário onde eu o via toda vez que me lembrava dele. É
impressionante como pesa muito mais, como cria um vazio muito
maior o desaparecimento de alguém que povoou a sua infância e
juventude.
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Jorge Haui no encontro de
professores na festa de 80 Anos do Colégio Valentim
Gentil. O inesquecível amigo das horas difíceis |
A notícia me
chegou de forma indireta, uma foto postada na página de uma rede
social, segunda feira, 11 de março de 2013, trazia um comentário
em que alguém lamentava a perda de um cidadão muito querido na
cidade. Voltei meus olhos para a foto, era um flagrante do
encontro de professores e ex-alunos do nosso querido Colégio
“Valentim Gentil”, em 2009, naquela festa memorável que
reabilitou a memória da nossa querida terra. A foto focalizava
com nitidez a imagem do Jorge Haui. Fechei os olhos e pensei:
“Não deve ser ele, há pouco tempo estava tão bem, esbanjando
saúde”. Tomei coragem e voltei à foto, ao redor dele só havia
mulheres e o comentário que eu lera deixava claro referir-se a
um homem. Foi crescendo em mim a triste constatação de que era
ele mesmo, o Jorge, marido da Maria Helena, irmão da Odete, do
Roberto e do Eduardo, que eram filhos de Dona Lili e do Sr.
Feres. Era a foto daquele mocinho educado e tímido que voltou do
Líbano, com seus pais, depois de uma longa temporada lá fora e
foi morar naquela casa de alicerce de pedra-fogo, de onde saíam
aquelas abelhinhas Jataí, que desde criança eu parava para
olhar. Era na Rua 13 de maio, bem perto da casa dos Lutaif, bem
em frente ao armazém dos irmãos Ceraico.
Jorge, Odete,
Roberto e Eduardo vinham enriquecer a juventude daquela Itápolis
dos meados dos anos 40, pois traziam uma invejável bagagem
cultural, falavam francês com fluência, conheciam o outro lado
do mundo numa época em que acabávamos de testemunhar o fim de
uma guerra sangrenta, a Segunda Guerra Mundial. Para compensar
o tempo de estudos lá fora, cursaram Madureza e logo estavam
aptos a seguirem seus cursos superiores.
A confirmação
me veio logo, pelas palavras de condolências que alguém dirigia
à Flávia, uma de suas duas filhas com a Maria Helena. Que
sombria sensação de perda tive eu naquela hora, como me abateu a
perda desse moço com quem não tinha um convívio regular,
constante, mas de quem nunca me esqueci, tanto pela admiração
que despertou em mim na juventude, quanto pelo apoio que me deu
numa fase de minha vida em que me debatia entre crises
intermitentes de cidadão sem cidadania. Ajudou-me de forma
silenciosa e discreta, traço comum às criaturas generosas e de
pessoas de enorme coração.
Jorge
colocou-se na confluência de duas famílias admiráveis, que eram
os Haui e os Monteiro. Casou-se com a Maria Helena, irmã da
Wilma, filhas de Dona Glória, amiga íntima de minha tia Bibi, e
do Dr. Luís Monteiro, médico que formava aquela plêiade de
médicos excelentes que faziam o orgulho de nossa mais tenra
Itápolis. Tornou-se engenheiro de prestígio, destacado no seu
âmbito profissional, conservando sempre sua sobriedade,
discrição e certa simpática timidez, Jorge era como dizem, um
cidadão recatado. Sua partida inesperada causa em mim uma
profunda frustração, pois toda vez que me lembrava dele,
alimentava-me a esperança de revê-lo e de reverenciá-lo.
A gente vem
ao mundo para ganhar e perder, são muitas as alegrias, são
maravilhosas as dádivas que recebemos, mas a perda de alguém
querido, de alguém cuja imagem se projetava na sua memória como
uma doce face do bem, é aterradora, suplanta num átimo a alegria
das coisas conquistadas.
Só uma
certeza nos reconforta quando a perda é a de um Jorge Haui: é
saber que a seara de Deus foi agraciada com a chegada de um
filho muito amado, de um irmão adorado. A todos os membros das
famílias Haui e Monteiro, minha solidariedade e essa homenagem
singela e modesta. |