Quando penso nas famílias de minha mais tenra Itápolis, vem-me à
mente suas casas, como eram por fora e por dentro. Havia vários
estilos de casas, umas alinhadas com a calçada, outras recuadas,
algumas tinham janelas baixas, outras janelas longas e altas.
Havia até janelas e portas no estilo gótico, como os vitrais das
igrejas; outras, no estilo romano, com seus arcos arredondados;
mas a maioria exibia o estilo renascentista, com suas linhas
retas, algumas quadradas, outras retangulares e é importante
registrar que as portas e as janelas eram feitas em madeira.
Poucas casas, de construção mais recente na época, tinham
venezianas. Esta modalidade de janela só se firmou nos inícios
dos anos 40. Descrevendo assim, pode parecer que as pessoas
tinham consciência desta variação arquitetônica, mas na verdade
a maioria nem pensava nisso.
As casas recuadas tinham, invariavelmente, um jardim na entrada,
quase todos bem cuidados e cobertos de flores variadas. As casas
alinhadas à calçada, tinham o jardim na lateral por onde as
pessoas entravam e saíam. Como nossa terra sempre foi quente na
maior parte do ano, quase ninguém dispensava uma varanda. Ao
fundo, a maioria tinha um espaço aberto que muitos usavam como
copa, cozinha e área de serviços. Era o espaço mais frequentado
da casa. Esse espaço dava acesso ao quintal, geralmente bem
amplo, com até 40 metros de fundo.
Até meados dos anos 40 dois componentes eram indispensáveis, o
poço e a privada. Como a água encanada e o esgoto ainda não
haviam chegado na cidade, as famílias dependiam da água do poço
e dos “préstimos” da fossa.
Difícil o quintal que não tivesse um verdadeiro pomar, com
árvores copadas, mangueiras enormes, avistadas de qualquer parte
da cidade, como as mangueiras dos Monzillo, dos Gentile, do
Salim Haddad. Sobrava espaço, ainda, para um campinho de jogo de
malha, para os gramados usados para corar (quarar, na linguagem
do povo) a roupa lavada. As casas não tinham luxo exposto, pois
o que mais se buscava, naqueles tempos, era o conforto dos
cômodos espaçosos e das áreas utilizáveis.
Entre as casas cujo exterior era digno de nota eu destaco a casa
da família Vessoni, ali na Francisco Porto, entre a antiga Rua
13 de Maio (Ricieri Antonio Vessoni) e a Rua Bernardino de
Campos. A casa tinha a fachada na linha da calçada, janelas bem
altas, à direita uma espaçosa varanda lateral, um jardim com
vários canteiros cobertos de diversas flores miúdas, tendo ao
fundo um chalé que abrigava a sala de jogos, com mesa de bilhar
e mesinhas de xadrez e de trinca (jogo da velha).
Ao fundo, vinha um enorme quintal repleto de árvores frutíferas,
no qual se destacava uma enorme castanheira portuguesa, que dava
frutos protegidos por uma casca com espinhos longos que lhe
davam o aspecto de bichos. Esses frutos caíam pelo chão e
rachavam ao sol quente, exibindo as cobiçadas castanhas de
Natal, as famosas e caras castanhas portuguesas, que eram
cozinhadas em fogo lento.
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A casa foi
reformada recentemente, mas foram preservadas as
suas características |
Do lado esquerdo, a casa do Sr. Carlos Vessoni tinha um terreiro
atijolado para secagem do café em coco e um depósito de sacas de
café beneficiado que vinham da máquina situada na antiga Avenida
XV de Novembro (Pres. Valentim Gentil), vizinha do sobradinho do
Pica-Fumo. Como meu leitor pode ver, primava-se pelo espaço e
pela utilidade dele.
Outra casa que chamava a atenção dos passantes era a da família
Guiraldi, a casa do Sr. Xenofontes, na esquina da Rua Rodrigues
Alves com a Av. José Belarmino, bem em frente onde fica, hoje, a
Sorveteria do Zé.
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A divisa com
a rua ganhou uma grade de ferro, mas as tradicionais
varandas foram preservadas |
O primeiro dado importante era o tamanho da casa, ampla,
impressionante pela solidez da construção, tanto que está lá
inteira até hoje! Na sua lateral se destacava, como o faz até
hoje, a enorme e
ampla varanda sombreada por árvores frondosas. Ali viveu também
o saudoso simpático Guariba, que manteve no quintal, por muitos
anos, sua oficina. Fiquei muito feliz por ver, depois de anos em
que não a via, toda restaurada, pintada, conservada, um
monumento arquitetônico da velha Itápolis, de inestimável valor
histórico e cultural.
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As casas
ainda conservam muito de suas características
estruturais |
Outra que exibia bela arquitetura e beleza era a casa da família
do meu padrinho Manoel Borges. Situada na antiga Rua Rui
Barbosa, atual Odilon Negrão, entre as Avenidas XV de Novembro
(Valentim Gentil) e Francisco Porto, apresentava duplo
frontispício, estilo chalé, que serviam de residência, na ala
esquerda, à família Borges e na ala direita à família do Sr.
Paulo Rodrigues, sogro do Sr. Manoel.
Essa é outra construção que se conserva intacta, belíssima e que
abriga minha prima Maria Laura Borges Maradei e sua família. Não
vou falar da antiga casa do Dr. Paulo Brasil, outro monumento ao
bom gosto, porque já foi descrita em crônica passada.
O que importa dizer é que, naqueles anos da primeira metade do
século XX, não se usavam as construções de casas residenciais
para ostentação, luxo e puro lazer. O que importava era ter
espaço para instalar galinheiros, estrebarias, diversos
serviços, pomares e hortas. As casas viviam abertas, livres dos
muros altos, iluminadas à noite, convidativas aos parentes,
amigos e vizinhos, independente de serem pobres, remediados ou
ricos. |