Na minha mais
tenra Itápolis as artes encontravam grande entusiasmo dos seus
habitantes, tanto assim que tivemos a construção de um prédio
magnífico para a época, onde funcionou a Lira Itapolitana, com
espetáculos de canto lírico, de óperas e operetas, de
representações teatrais, de audições de música. O prédio foi tão
bem construído que resiste ao tempo e é hoje a sede da Câmara
Municipal.
Era época dos
circos e a cidade se fartou de ver espetáculos circenses. Vários
terrenos desocupados foram usados para a instalação dos circos.
Na minha época de menino o local mais utilizado era onde é hoje
a Praça Roberto Del Guércio. A gente juntava um bando de
moleques e íamos ajudar a erguer a lona e com isto ganhávamos o
privilégio de entrar de graça nas matinês. Vinham circos de
todos os tipos e tamanhos, com palhaços, trapezistas, o Globo da
Morte, os animais selvagens, como o leão, o elefante, o tigre,
apresentavam peças teatrais, espetáculos de mágica, de
hipnotismo, de malabarismo, uma enorme variedade de atrações. O
circo era normalmente redondo, circular, daí o seu nome. Tinha
ao centro o picadeiro, geralmente com piso de areia, daí
chamar-se “arena”; para evitar que levantasse poeira, espalhavam
palha de arroz sobre o piso e ali se davam os espetáculos, ao
seu redor ficavam as cadeiras, a preços mais altos e para o
povão era a arquibancada, em forma de anfiteatro.
|
Mazzaropi
tornou-se campeão de bilheteria. As sessões dos
cinemas lotavam com apresentações de seus filmes |
O circo era
redondo, mas eu vi um circo que não era redondo e nem foi
instalado num terreno muito amplo, como de costume. Este circo
de que estou falando, foi montado num pequeno terreno vazio que
havia ali na Rua José Trevisan (na época se chamava Rua José
Bonifácio), no meio do quarteirão, entre as avenidas Francisco
Porto e Campos Salles, provavelmente onde foi mais tarde
construída a casa do casal Vilma Trevisan e Osvaldo Cavichiolli.
Era em forma de barracão, retangular, não tinha picadeiro, tinha
palco, na verdade não era um circo, a gente chamou de circo
porque era de lona e tinha como principal atração um novo
palhaço. E duvido que alguém saiba quem era este palhaço, em
início de carreira. Era nada mais, nada menos que o Mazzaropi.
Ainda desconhecido, o Mazzaropi andou por Itápolis, era no ano
de 1942, se não me engano. Já tinha aquela cara de caipira nada
bobo, chapeuzinho de palha, camisa xadrez. Andava erguendo as
calças com o cotovelo, já era o Mazzaropi que iria estourar no
cinema, com suas comédias que lotavam as casas de projeção de
todo o Brasil.
Um autor
popular muito conhecido dos aficionados do circo era Joraci
Camargo, autor de várias peças teatrais que corriam o Brasil nos
picadeiros de quase todos os circos. Eram dele as peças
dramáticas “O Céu uniu dois corações”, “O ébrio”, “Leilão”,
“Deus lhe pague”, com suas histórias que faziam chorar até muito
marmanjo barbado. Esses espetáculos eram anunciados em grandes
cartazes negros, escritos com giz, nas principais esquinas da
cidade.
Muitas duplas
caipiras também apresentavam peças teatrais baseadas nas letras
de suas modas. Tonico e Tinoco, os nossos Irmãos Fortuna,
Belmonte e Amaraí, Alvarenga e Ranchinho, eram os mais chegados
num “drama”, como eles chamavam suas peças teatrais.
Uma das peças
mais repetidas por este Brasil afora, e Itápolis pode vê-la
muitas vezes, era “Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus
Cristo”, de Abmael Lopes, o ponto alto dos circos durante a
Semana Santa.
As inúmeras
passagens dos circos por Itápolis reúnem histórias muito
interessantes. Tínhamos na cidade um torneiro mecânico bem
excêntrico, que pouco falava, vivia sozinho, não tinha parentes
aqui e que era personagem central de várias histórias curiosas.
Quando tinha
circo na cidade ele não perdia nenhuma noite. O Pasiani chegava
cedo, sentava-se na arquibancada, no mesmo lugar de sempre,
abria seu jornal e passava todo o tempo do espetáculo com os
olhos grudados nas suas páginas. Nunca ninguém o viu olhando
para onde rolava o espetáculo, nunca o viram aplaudindo um
artista, ia ali para aproveitar a iluminação, porque onde morava
quase não acendia a lâmpada.
|
O Globo da
Morte sempre foi uma grande atração circense |
Certa vez,
chegou em Itápolis um grande circo, muito esperado pelo povão.
Era o Circo Royal, que tinha como principal atração, o Globo da
Morte, um grande globo, feito em peças de aço, como uma grade
que deixava ver o seu interior. Por uma rampa subiam e entravam
nele dois motociclistas (naquele tempo não se falava
motoqueiro), que faziam acrobacias arriscadas dentro daquele
globo e, para aumentar a adrenalina, a porta era aberta, entrava
mais um, agora eram três e por último o quarto para arrepiar os
cabelos dos presentes.
E o circo
anunciou para seu último dia de espetáculo, uma “surpresa”. O
circo ficou lotado, os acróbatas de duas rodas começaram o show
e quando parecia que tudo ia terminar, uma quinta moto apareceu
na pista, subiu a rampa, entrou no globo e participou do
perigoso número. A plateia delirava, pois era um morador da
cidade, um mecânico de automóveis, pai de família, quem nunca
imaginaram poder fazer aquilo e fez.
Aplausos
ruidosos e demorados para o Sr. José Marconi, que tinha uma
oficina mecânica na esquina da Av. 7 de Setembro com a Av. dos
Amaros, em frente â casa de minha Vó Nenê. Era o pai do Marconi
Jr., grande locutor da nossa ZYQ 4 e da Rádio Record de São
Paulo. Este Sr. Marconi, dizem, não tinha nenhum parentesco com
a conhecida família Marconi, seus vizinhos, por sinal. |