Viajar, sair da
toca, afastar-se da rotina, mudar de ares é muito bom, dá aquela
sensação de liberdade, de conquista do desconhecido. Mas, voltar
pra casa é imbatível, insuperável. Daí se explica o porquê do
apego à terra natal, da lembrança imorredoura do primeiro amor,
da saudade incomparável dos entes queridos que se foram. A volta
tem o gostinho do ato de recuperar, do reencontrar, do reaver. A
gente parte, se aventura, se descortina e, de repente, percebe,
descobre que pouca coisa há para conquistar lá fora e o que você
deixou para trás ganha uma dimensão, uma importância, um valor
que você não tinha ainda nem mesmo vislumbrado.
Durante minha
infância era costumeiro que nas férias escolares, meu padrinho
de Crisma, o tio Manoel, viesse me buscar para passar uns dias
em sua fazenda, lá nas Tres Barras, estrada de Borborema. Eu não
via a hora de ele chegar com seu carro, verde escuro, para me
levar para aquela casa avarandada, que, por estar no alto da
colina, proporcionava uma vista panorâmica esplêndida, dando
para ver serpentear a estrada que sumia no horizonte. Lá estavam
minhas priminhas Maria Rita e Maria Ignez, minha tia Lucila, tão
rica em tiradas de humor, a menina Otília, que a auxiliava na
lida doméstica, o Adão, que ajudava nos serviços mais pesados,
como cortar lenha, carregar cestas de frutas colhidas do pomar,
ir catar macaúbas. Era muito bom brincar naquele terreiro,
caminhar naquela pastagem para ir à fazenda da tia Nica. Entrar
naquele carro, vê-lo pegar a estrada fazendo poeira, era tudo de
bom, era uma aventura de sonho.
Passados alguns
dias, eu já começava a acordar diferente. Em vez de ouvir os
sons típicos da fazenda, o mugir do gado, o cantar do galo, a
voz do tio Manoel a dar as ordens de serviço aos seus peões como
acontecia nas primeiras manhãs, eu já começava a confundir os
ruídos, parecia que eu tinha ouvido a voz de minha mãe, será? O
galo parecia ter cantado igual ao lá de casa, não era a voz da
Zizinha? Não era o pigarro do meu pai? Era assim que se
anunciava a chegada da saudade. E tinha um lance curiosíssimo,
vejam só: da varanda se via a estrada e os veículos que bem
esparsamente passavam levantando poeira. E viam-se as colinas
que ondulavam no horizonte, para os lados de Itápolis. E no alto
de uma dessas colinas havia um capão de mato cujo topo das
árvores tinha o formato dos dentes de um enorme serrote.
|
Depois de
alguns dias eu ouvia o abacateiro chamar: "Já pra
casa, menino!" |
Quando eu olhava
praquilo, um frio na espinha, um buraco na boca do estômago se
apossavam de mim, fazendo-me sofrer de uma angústia
inexplicável. Eu virava o rosto pra não ver, mas aquilo me
atraía de forma irresistível e a visão me assombrava de novo. Eu
começava então a ver a varanda onde a gente tomava café lá em
casa, o quintal, a parreira de uvas do lado direito, e o imenso
abacateiro que dava sombra praquela parte do terreiro. E batia
uma saudade imensurável de minha casa, de minha gente, do meu
pedaço.
Toda vez que eu
ia para a fazenda do tio Manoel, feliz da vida, passados uns
dias começavam aquelas sensações, e aquele arvoredo de copas em
serra faziam explodir minha vontade de voltar pra casa, rever
meus pais, meus irmãos, meus amigos da vizinhança, subir naquele
abacateiro, que na verdade eram dois, porque eram duas mudas que
cresceram enlaçadas. Aí, numa das vezes que eu olhava para o
arvoredo, que lembrei do abacateiro, eu entendi tudo! Quando eu
subia lá para o centro da cidade, ao pegar o caminho de volta
pra casa, que eu avistava o abacateiro que sobressaía, eu via
aquela copa em forma de serra, fonte da minha saudade de casa.
O tio Manoel e a
tia Lucila percebiam meu drama e daí a poucos dias eu os via
arrumando minhas coisas, as minhas e as deles e íamos todos para
minha casa, que ainda sobravam uns bons dias de férias para as
meninas. A estrada da volta tinha um jeito especial, um aroma
diferente, nem a poeira incomodava. E quando o carro atingia os
altos da fazenda do Ciniro Massari, que já se avistava a cidade,
o coração saltitava no peito, uma sensação de aconchego se
apossava de mim, menino que tinha ido tão feliz passar férias na
fazenda, mas que o abacateiro tinha chamado: “Já pra casa,
menino!” |