No romance
“Jean-Christophe”, best seller dos anos 50, seu autor
Romain Rolland, diz, pela boca do seu personagem central: “A
gente só avalia as dimensões de uma montanha quando se afasta
dela”.
Isso
significa que, enquanto estando nela, ou caminhando, ou nela
instalado, não se tem ideia de seu formato, de seus contornos,
de suas medidas. De forma figurada, isto vale para as seres
viventes, para as coisas, para a própria vida. Quando você
convive com alguém não dá para você avaliar de forma definitiva
aquela pessoa, nem ela avaliará você com precisão; se a vida os
afasta, olhando-se à distância, cada um dos dois acabará tendo o
conceito do que o outro foi enquanto juntos compartilharam a
vida.
“O homem se
define a cada instante e, só depois de morto, terá seu perfil
acabado”, famosa definição do existencialista Jean-Paul Sartre.
É a ideia do afastamento de novo.
Quando a
gente se afasta de um lugar onde viveu suas horas, seus dias,
seu pedaço de vida, a gente começa a conhecer seu verdadeiro
significado, sua importância e sua ação sobre você.
Assim
acontece com a avaliação da própria vida! O tempo é surdo aos
nossos apelos quando estamos felizes e queremos que a vida pare
ali e continua surdo se lhe pedimos que corra em disparada
quando estamos enfrentando um grande sofrimento. O tempo, no seu
ritmo constante, vai seguindo seus passos intermináveis e,
inconsciente de suas consequências, vai produzindo nossas
mutações. De criança passamos a jovem, de jovem a maduro, de
maduro a velho, de velho a ancião, até o nosso ocaso.
E quanto mais
nos afastamos da infância, mais sabemos dela, quanto mais nos
afastamos da juventude, mais percebemos dela e assim seguimos.
Esse afastamento nos dá a percepção do que durou cada fase, do
que se viveu nela, mas também faz com que percamos a verdadeira
realidade de cada uma delas.
Por um
instinto de defesa e de conservação, vamos eliminando os fatos
negativos de cada fase, o que faz ressaltarem em importância, as
coisas boas e isso nos leva ao saudosismo, que faz com que as
coisas passadas nos pareçam sempre melhores que as presentes.
É a criatura
se afastando da vida e tendo dela a sua dimensão. Você que está
andando pela montanha e a partir dela olhando para a planície,
quando você descer, porque todos descem, você vai olhar para
trás e vai avaliar tudo que viveu.
Eu já estou
andando de costas, olhando para a montanha que escalei. Muitas
vezes caminhando nela, outras vezes agarrando-me em seus
penhascos em busca do seu cume.
Nela ainda
consigo reconhecer as pessoas que fui ganhando depois que virei
gente, nela ainda consigo vislumbrar a cidade em que nasci, com
suas casas, seus edifícios, seus monumentos; dela vou delineando
as ruas, reconhecendo as calçadas revestidas de pedra, seus
bueiros, que um dia um deles engoliu um homem levado pela
enxurrada e eu vi; seus postes que eram piques para as crianças
que brincavam de cruzado, o coreto de onde vibravam os
dobrados, a estação de onde partia e chegava aquela
máquina fumegante badalando o sino.
Olhando para
a minha vida, descobri que comecei subindo até atingir o topo e
que do topo só se pode descer. Na subida foi um constante
“ganhar”; na subida você ganha seus entes queridos, vai ganhando
tios, primos, amiguinhos, colegas de escola, os professores, o
conhecimento, a esperança, o desejo, o sonho.
Durante a
subida tudo é acréscimo, tudo é aquisição. Depois do topo se
conhecem as perdas, os avós que partem, os amigos que se vão, as
namoradas que se perdem, depois os pais, os tios, os velhos
mestres, os ídolos, o vigor, a volúpia, as expectativas, a
certeza do futuro.
Nessa descida
perde-se a condição de útil, de referência, de
importância.
Estas
constatações não devem servir de alimento à lamentação, pois são
de tomadas de fatos e coisas próprias da condição humana, na
verdade da condição existencial de tudo que constitui o nosso
mundo.
Eu acho até
que nossa existência é esculpida pelas mãos e a inteligência do
Criador, pois os ciclos que a compõem são harmônicos à perfeição
e nos levam a entender sua evolução desde o nascente até o
poente da vida.
É por isso,
acho eu, que a gente se revolta e não se conforma, quando a vida
é ceifada de alguém ainda jovem. Normalmente a vida é justa! E
eu amo a vida, pois nela, apesar dos pesares, tenho sido muito
feliz. E como sou previdente, já comecei a flertar com o Além. |