É bem
provável que muitos dos leitores estranhem a grafia deste
nome, mas esse era o verdadeiro sobrenome de Mehana
Abdulnour, o patriarca desta gente maravilhosa, que
antecipando-se aos seus filhos, viveu solitário no Brasil,
de 1895 a 1904.
Esse
“Escravo da Lua”, significado de seu sobrenome, nos nove
anos que viveu aqui, conseguiu amealhar 1000 Libras
Esterlinas em moedas de ouro, com as quais voltou para o
Líbano. Os filhos vieram para cá bem depois de sua volta
para a terra natal.
O primeiro
chegou em 1925, era o jovem Wady, que entrou na lida,
construiu seu patrimônio, a Casa Wady, loja de tecidos que
se tornou um grande estabelecimento comercial e teve seu
reinado na velha Itápolis dos anos 30, 40 sob sua direção. O
jovem Wady não pode estar presente no momento da morte de
seu pai, Mehana, em 1929, na distante Hasbaya.
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Prédio da
Casa Compagno onde, algum tempo depois, o Sr Wady
inaugurou sua loja |
Wady
Abdelnur, como grafavam seu nome na sua nova terra,
adaptou-se com rapidez à nova comunidade de que passou a
fazer parte; como todo imigrante árabe assimilou nossos
costumes, casou-se com uma brasileira, filha de imigrantes
italianos da vila do Quadro, os D’Auria. Dona Mafalda,
criatura expansiva, alegre, dava um colorido especial na
vida sóbria e tranquila do Sr. Wady, homem de temperamento
pacato, até certo ponto tímido.
Aquela casa,
atrás da grande loja situada na esquina da Rua José
Bonifácio (José Trevisan) com a Avenida XV de Novembro
(Valentim Gentil), prédio que, nos anos 10 e 20, foi a
grande Casa Compagno, era um lar alegre e se animou com a
chegada da Lamy, menina linda, rosada, de olhos amendoados,
que vi crescer.
Os negócios
do Sr. Wady iam de vento em popa, a loja tinha um grande
movimento e a chegada do irmão Nasry Mehana, em 1934, foi um
grande passo para seu crescimento. Nasry não ficou atrás de
seu irmão. Expansivo, alegre, falante, logo se integrou à
vida social da cidade, casou-se com Dª Odete, moça de
Araraquara, também brasileira. Estava pronto para assumir a
grande Casa Wady, pois seu fundador ia dar um passo mais
audacioso, estabelecer-se na capital do Estado.
Um fato raro
na Itápolis daqueles tempos aconteceu na residência do Sr.
Nasry. Numa noite quente de verão de 1943. Ouvimos um
vozerio que vinha da rua, saímos e vimos as pessoas correndo
para o lado dos Lutaif, mas na verdade o problema estava na
casa do Sr. Nasry. Pela primeira vez na minha vida de menino
eu vi um incêndio, algo tinha motivado aquele fogo, logo
dominado pela
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Prédio da
Casa Wady, na Rua Pe. Tarallo, construído pelo
Sr. Nasry |
ajuda de
todos os vizinhos, que com baldes d’água, esguichos e muita
coragem, apagaram tudo e devolveram a calma à Dª Odete, que
abraçada à garotinha Leila, acompanhava o socorro que lhes
era dado, prova insofismável da solidariedade de que
desfrutavam.
Nasry deu
características novas à grande loja, tirou-a do antigo
prédio e a instalou no novo, construído no local onde
funcionava antigamente a famosa Pensão Mogiana, de tantas
histórias na velha Itápolis.
Saiu de uma
esquina tranquila e foi atuar no fervilhante Ponto de
Jardineiras, futuro Ponto de Ônibus intermunicipais. Devagar
foi adaptando sua loja aos novos padrões de comércio dos
anos 50, diversificando a mercadoria, intensificando os
“reclames” (propaganda) e fazendo da nova loja um dos
centros de grande movimentação da cidade. Auxiliado por um
balconista talhado para ofício de vender, o Zezinho da Casa
Wady era um chamariz para a grande loja e seu Nasry se
firmou como grande comerciante.
A família do
Sr. Nasry foi crescendo, depois da Leila, conhecida de
todos, vieram o Mehana, a Sofia, o José Eduardo e a Mona,
todos bem integrados na sociedade local, honrando o cidadão
itapolitano Nasry, que veio do Líbano para viver uma vida de
intensa movimentação, tanto comercial como social, que
marcou época na nossa terra.
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"Fuad" na
época de sua chegada a Itápolis |
Em 1948
chegou mais um irmão, o Fuad (oficialmente registrado como
Fouad), que passo a passo, foi-se integrando nas atividades
comerciais da cidade e, seguindo a sina dos irmãos fundou a
loja “Ao Preço Fixo”, que se instalou de início na descida à
esquerda da Avenida Valentim Gentil, um pouco abaixo da
tradicional Farmácia Mucari. Logo o Fuad achou uma
brasileira para se casar e, com a Dª Maura, formou mais uma
grande família Abdulnour, composta por Samir, Maria Alice,
Emílio, Roberto, Eduardo e William.
A loja do
Fuad mudou-se para a esquina da Rua Rio Branco com a
Valentim Gentil, no prédio que foi, no passado, a
tradicional Casas Pernambucanas e, antes dessa, o velho e
não menos famoso “Boulevard Itápolis”. E lá continua,
moderna, simpática, marcada pela presença agradável do
Emílio e, vez por outra, do Fuad, porque ninguém é de ferro.
A família
original dos Abdulnour, conhecida na minha mais tenra
Itápolis como Abdelnur, se completa com a Alice, a Matilde e
o Fez, que chegaram em 1953 e aí ficaram durante dez anos,
pois em 1963 voltaram para o Líbano.
Os Abdulnour
tinham vários primos na região, tanto na própria Itápolis,
como em Borborema. O Hassib, dono da Casa Cruzeiro, marido
da Dª Odete, era um deles. Em Borborema tinham os primos
Jorge, Nassib e Hassib.
Minha
ligação com os Abdulnour foi intensa, principalmente com a
família do Sr. Wady. Sua casa, em São Paulo, cravada numa
vila de casas acolhedoras no bairro do Paraíso, abria suas
portas, todos os fins de semana, para dois itapolitanos
ávidos de calor humano e de clima familiar. Estes dois
jovens que estavam em busca de construir seu futuro, o
Geraldo Hauers (o Baianinho), futuro Geraldo Alves, do Rádio
e da TV e este cidadão que lhes fala aqui.
Com os
almoços deliciosos feitos pela Dona Mafalda, depois de
ouvirmos os discos de 78 rotações de músicas árabes, que o
Sr. Wady curtia com emoção, passávamos horas conversando com
as jovens Lamy e sua nova irmã de coração, a Leonor. O
Baianinho se mandou para o Rio de Janeiro, mas eu continuei
fiel aos nossos encontros de fim de semana.
Com o Sr.
Wady, que eu passei a considerar como um parente, tamanho o
carinho que ele me dedicava, tive a oportunidade de tomar
muitos cafezinhos, na Galeria Guatapará, da Rua Barão de
Itapetininga, nos nossos encontros casuais, mas que pareciam
combinados. Os Abdelnur, escrevendo certo, Abdulnour são
mais um grupo de gente maravilhosa que Hasbaya nos enviou.