Na minha mais
tenra Itápolis as divergências, as pendências de toda ordem,
fossem econômicas, religiosas, políticas, familiares e até mesmo
passionais eram resolvidas pela via do diálogo, quando esse não
era possível, pela via da intercessão de terceiros, geralmente
de cidadãos de elevada experiência e de ilibado conceito na
sociedade de então.
Se o
desentendimento era de natureza econômico-financeira, geralmente
quem era chamado a intervir era alguém experiente no trato de
questões entre devedores e credores, porém alguém que tivesse
bom trânsito entre as duas partes em conflito. Um parente comum
a ambos, um cidadão muito respeitado na comunidade, podendo ser
um político respeitável, um profissional liberal de conhecida
honradez, até mesmo um padre ou um pastor.
O que é preciso
que saibam é que dificilmente se apelava para a medida judicial.
O advogado de então só entrava em ação, quando estivessem
esgotadas todos os caminhos do diálogo e do acordo entre as
partes. E os bons advogados daqueles tempos, tais como o Dr.
Mario Gentil, o Dr. Marinho Rosa, começavam seu trabalho
tentando costurar um acordo amigável, mesmo sabendo
que, atingido este objetivo, a ele, advogado não resultava em
nenhum honorário. Era o profissional da justiça cumprindo umas
das cláusulas mais importantes de seu juramento na hora da
formatura, qual seja, promover a concórdia entre os cidadãos.
Naquele tempo não havia a sórdida indústria do divórcio, a
desprezível fábrica das indenizações.
Como vêem, a busca da harmonia social era uma norma, o que explica que,
naquela época, anos anteriores à década de 60, havia muito mais
tolerância, compreensão mútua, quase nenhuma violência no meio
social, independente da classe social e do nível
econômico-cultural dos cidadãos.
Se o conflito era de âmbito familiar, briga entre parentes, entre
herdeiros, entre irmãos, entre marido e mulher, a regra geral e
amplamente praticada era a da “roupa suja se lava em casa”,
dificilmente transpirava, raramente dava margem à fofoca. E esse
comportamento ajudava muito para que o caso não se complicasse.
Nesses casos era norma recorrer-se a pessoas da própria família,
para que o problema não escapasse das “quatro paredes”.
Posso citar, sem constrangimento, a minha experiência pessoal neste
terreno. Como todo casal que vive junto, meus pais tinham suas
rusgas, suas brigas, que às vezes ameaçavam a própria
continuidade do casamento, lembro-me, que desde bem criancinha,
vi meu pai, na hora que minha mãe endurecia, correr buscar minha
Vó Nenê, a sogra dele. Logo entravam os dois e iam reunir-se no
quarto, a portas fechadas, com minha mãe. E dessa reunião saiam
calmos, com ares de quem fez as pazes.
O que será que a Vó Nenê fazia para ter tanto êxito na sua mediação?
Simplesmente o seguinte: ela tomava o partido do genro e usava
sua autoridade sobre a filha, fórmula infalível, porque meu pai,
vendo minha mãe em inferioridade, entrava em processo de
autocrítica, como quem dissesse: “Também não é assim dona Nenê!
A Bebé também tem suas razões!” Aí abria-se a linguagem do
acordo.
Quando eu já estava mocinho, aproveitando um momento em que me vi sozinho
com minha Vó Nenê, perguntei a ela: “ Vovó, por que que a
senhora sempre toma o partido do papai, quando vem apartar as
brigas dos dois?” A resposta foi surpreendente e convincente.
Minha avó explicou-me que, ficando do lado do meu pai, mesmo se
ele estivesse errado, ele acabava achando, ele próprio, que
aquilo não era muito justo, aí ele passava a maneirar para o
lado de minha mãe, o que abria uma porta para o diálogo. Além
disso, ela era mãe e muito respeitada, fato que inibia os
arroubos da filha. E minha avó ainda me disse: “A filha sempre
logo perdoa a mãe, o genro nem sempre perdoa a sogra. Quem o
Vicente sempre ia buscar naquelas horas? A Dona Beatriz, mãe
dele? Ou eu, a sogra?” |