Muitos de meus
leitores, já entrados em anos, hão de se lembrar como eram as
relações entre crianças e adultos, entre mais jovens e mais
velhos, entre pais e filhos, avós e netos, tios e sobrinhos, mas
os meus leitores jovens vão estranhar muita coisa, pois as
diferenças das formas de relacionamento dentro das famílias de
antigamente e as de nossos dias chega a ser espantosa.
O respeito entre
as diversas gerações era enorme, era imposto de cima para baixo,
mas como fazia parte de um conjunto de hábitos que vigorava há
séculos, eram aceitos pacificamente. Ao levantar-se e ao
deitar-se era sagrado o pedido de bênçãos ao pai, à mãe e aos
demais familiares mais velhos que eventualmente estivessem
presentes, como avós, tios. À mesa os mais novos não falavam
antes dos mais velhos e de modo nenhum aparteavam quando falavam
o pai, a mãe e os convidados, se os houvesse. Na maioria das
famílias os filhos se valiam da mãe como intercessora quando se
queria dizer alguma coisa ao pai. A gente pedia à mãe: “Fala
para o papai se ele deixa eu ir à matinê hoje à tarde?”
A gente não
entrava no quarto dos pais a não ser que fosse convidado, que
fosse chamado. A gente se policiava seriamente para que não
acontecesse de flagrar algum dos pais trocando de roupa. Troca
de afagos entre os pais era coisa longe de se pensar, jamais se
deixavam flagrar. Enfim, o recato, a discrição, a pudicícia eram
preceitos inarredáveis. Conforme o tipo de educação, conforme o
grau de instrução, conforme também a origem étnica da família
também era o grau de rigor, na prática, desses preceitos.
A hierarquia se
impunha naturalmente, de tal forma era um velho costume. O
sistema de organização da família era o patriarcal. O avô, o
nono, empunhava o cetro invisível da liderança; não se fechava
um negócio, por mais vantajoso que se mostrasse, sem consultar o
avô. No âmbito da casa da família, o pai era o dono das decisões
e se ele consultava a esposa, isto era feito às escondidas, para
que não se diminuísse a autoridade dele.
A cara feia era
o instrumento da imposição. Pai que fosse enérgico, austero, não
podia viver derramando sorrisos para os filhos. É claro que
havia momentos de relaxamento, de bom humor mas, no geral, o
semblante sério pairava sobre a filharada. Minha geração, a
ainda algumas que nos sucederam, experimentaram bem de perto
este regime de administração do lar. Pra tudo tinha-se que
pedir autorização, nada passava desapercebido pelos pais.
Criança não participava das rodas de adultos, quando a conversa
era séria. As famílias costumavam se visitar com frequência, os
adultos ficavam na sala, os adolescentes e as crianças,
inclusive visitantes, ficavam em cômodos afastados.
Dependendo do
nível cultural, do temperamento mais durão ou mais flexível,
esta autoridade era exercida com maior ou menor dureza, mas
sempre sobrava um pouco dela. O olhar severo do pai ou da mãe em
geral bastava para inibir qualquer desobediência, qualquer
travessura. Apanhar era coisa comum, poucos escapavam desse tipo
de correção. A casa da gente era um santuário, digna do maior
respeito, menino não entrava em quarto de menina e menina também
não fazia isso. O amigo era bem recebido, a coleguinha também,
mas ficavam entre os limites do seu espaço. Palavrão era coisa
rara de se ouvir, se acontecesse, era longe de casa, nas brigas
de rua, nas rodas de rapazes, jamais entre as meninas.
Você vai dizer:
“era uma verdadeira escravidão!” Eu, que vivi intensamente
debaixo deste regime, digo: “não, não chegava a tanto!” Havia
amor, havia afeição, havia respeito mútuo. É claro que devia
passar por alguma mudança para mais brando, para menos
autoritário. Não condeno aqueles métodos, porque conheço seus
resultados: os que tiveram este tipo de educação não partiam
para a violência por qualquer motivo, havia delicadeza nos modos
de se relacionar e havia pudor na forma de se comportar e isto
não acontecia sem razão, era fruto da criação. |