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Miguel Mendes
o nosso querido Inspetor de Alunos |
Um dos tipos inesquecíveis de minha vida trabalhava como
inspetor de alunos no nosso velho ginásio: o Sr. Miguel Mendes.
Pertencia a uma das famílias mais tradicionais da cidade; era
irmão do Sr. Octaviano Mendes, funcionário da Justiça, do Sr.
Lázaro Mendes, chofer de praça e casado com Dona Rosa Tarallo
Mendes com quem teve dois filhos, o Laert (Pola) e o Laércio
(Polinha), ambos muito queridos de todos e destaques nas
atividades esportivas do nosso Ginásio.
O que distinguia o Sr. Miguel dos demais inspetores de alunos
era seu modo peculiar de tratá-los, de tratar-nos na verdade,
afinal eu era um deles. Quando deparava com uma briga, com uma
gritaria, com uma confusão entre alunos, chegava logo dizendo:
“Vamos parando, vamos parando com isto, seus poligelotas!
Vamos parando senão eu levo meia dúzia de uns três ou quatro
pra diretoria!” Poligelotas era a forma proposital
que ele criou pra dizer poliglota, pessoa que fala diversas
línguas! Era dele essa invenção, só dele, era sua forma de
acabar com a tagarelice, com o vozerío.
O Sr. Miguel era bravo, rigoroso com a disciplina, mas era
manso na forma de admoestar, nunca se ouviu dele um palavrão,
uma expressão pesada, talvez seja para evitá-los que ele criou o
seu “poligelota”. O Sr. Miguel Mendes marcou presença em
nossas vidas de estudantes, tanto assim que, até hoje, tenho sua
imagem morena, de baixa estatura, com um leve esgar permanente
num dos cantos da boca, viva na retina.
É na escola, na faculdade, no Tiro de Guerra, no quartel,
nestes lugares em que se aglomeram seres humanos, que despontam
os tipos peculiares que se fixam em nossa lembrança e aos quais
chamamos de “grande figura”.
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O Prof. Erick Arnold Von Bugghenhagen
tinha um jeito especial com seus alunos |
Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do
Rio Preto, onde atuei de 1957 a 1964, tive a oportunidade de
conhecer e conviver, no dia a dia, com o Professor Erick Arnold
Von Bugghenhagen, um alemão de quase dois metros de altura, na
época já contando seus 62 anos de existência, que marcou várias
gerações de alunos e todo o corpo docente com sua atuação
peculiaríssima. O Professor Bugghenagen (pronuncia-se
buguen-nágem), tinha um Von antes do sobrenome, o que
indicava que ele vinha de família nobre, fato que foi confirmado
mais tarde com as pesquisas de um de seus auxiliares: ele era
barão, Barão de Bugghenagen, um castelo na Alemanha Central. Era
conhecido nas rodas intelectuais da Europa, correspondia
regularmente com filósofos, pedagogos, cientistas da categoria
de Eic From, Jasperson.
Vivia só, hóspede mensalista do Grande Hotel, mantendo uma
vida sistemática, no seu terno e camisa extremamente brancos,
impecáveis, sua gravata vermelho vivo, estreita e justa ao
colarinho, aquele alemão tornou-se adorado por seus alunos e
respeitado por todos seus colegas professores. Adorado por que?
Porque tinha método, abordagem, tratamento tudo muito especial,
marcados por carinho e criatividade.
Era tamanha sua empatia com os alunos, que eles criaram uma
espécie de confraria, a que chamavam de “kindergarden”,
jardim da infância, que rodeava o mestre quando ele adentrava o
pátio de entrada da faculdade, disputando quem colocaria a flor
que trouxe de casa para a sua lapela. Esta era uma cena diária
que alegrava nossas manhãs, no início de nossas atividades. Para
que se entenda o porque de tanta idolatria, vou contar alguns
gestos e atitudes do nosso focalizado.
Quando foi introduzir seu curso sobre o teatro alemão, ele
iniciou a aula perguntando a cada aluno se tinha trazido o
trabalho de casa que passara. Quando chegou no Beretta, um aluno
que vinha de Potirendaba e que depois vim saber que era de
antiga família de Itápolis, este lhe respondeu de forma
desrespeitosa, “Não fiz e nem vou fazer!”
A classe se assustou e o susto aumentou quando o professor foi
ríspido na resposta, estabelecendo-se uma discussão destemperada
que, no seu auge, provocou uma cena totalmente inusitada: o
aluno Beretta, visivelmente alterado, tirou da bolsa uma arma,
apontou e atirou no peito do mestre, que tombou sobre a mesa
sangrando a alva camisa. A cena foi tão chocante que uma das
alunas desmaiou. Surpreendentemente o aluno correu abraçar o
professor, já refeito e ambos exclamaram em coro: “Isto é
teatro, minha gente!” Assim o grande mestre abriu seu curso
sobre o teatro.
Todo final de ano o professor Buggenhagen oferecia um prêmio a
cada aluno, conforme seu grau de aproveitamento. Em 1960, na
classe do 2º ano de Letras Anglo-germânicas, não foi diferente.
Com as mãos às costas, escondendo o presente, como costumava
fazer, chamou a japonesinha Iuri, de Fernandópolis, elogiou sua
performance de primeira aluna e lhe estendeu um livro do
escritor alemão J.W. von Goethe, no original alemão,
dizendo-lhe: “Este livro é o seu presente, porque você já é
capaz de lê-lo”.
Ouviram-se as palmas como prova de que todos compreenderam o
sentido de seu gesto. Em seguida premiou a cada um com livros em
português, deu um gibi ao aluno mais desatencioso e chegou à
frente da aluna mais bonita da classe, encarou-a firme e
detidamente e exclamou: “Você é uma moça lindíssima, tem um
sorriso encantador, é muito simpática e, - tirando as mãos
de trás das costas – exclamou: vai ganhar esta caixa de
bombons... porque é MUITO BURRA!!!” Você pode não
acreditar, mas houve uma explosão de risos, todos foram à frente
para abraça-lo, tendo à frente a moça linda dos bombons.
Buggenhagen era um professor muito entrosado com os colegas,
tomava partido conosco nas contendas administrativas, vivia
intensamente a Faculdade durante os dias e noites de aulas, mas
nos fins de semana sua atitude surpreendia a todos.
Vejam como: Era um sábado, por volta das 10 horas da manhã, eu
descia a Rua Bernardino de Campos, a mais movimentada de Rio
Preto, em direção ao centro, avistei mais adiante a figura
inconfundível do Professor Buggenhagen, apressei o passo e o
alcancei e caminhando ao seu lado disse: - “Bom dia,
Professor!” Ele respondeu ao bom dia e virou pra cima e
pôs-se a caminhar no sentido oposto, deixando-me ali parado.
Corri atrás dele e me apressei em perguntar-lhe: - “Eu lhe
fiz alguma coisa, Professor?” Agora vejam a resposta: - “Caríssimo
colega, nós nos vemos da manhã até à noite a semana inteira e
isto é ótimo! Mas, sábado e domingo, não! Não, professor. Vamos
descansar de nós! Vamos falar do tempo, da pescaria, do futebol,
mas papo de escola, não!” E seguiu seu caminho.
Fiquei atônito, mas logo fiquei sabendo que ele já tivera
aquela mesma atitude com todos os colegas que tentaram caminhar
ao seu lado numa manhã ensolarada de fim de semana.
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