Na minha mais tenra Itápolis a propaganda, chamada atualmente de
marketing, não tinha, nem de longe, a força formadora de
preferências de gosto, de visual, de modo de vida e a influência
enorme que tem hoje. Ao contrário, eram precários os recursos da
comunicação e a consequente penetração dos anúncios, dos
reclames, como eram chamados, era conseguida a duras penas.
O mais usual, naqueles tempos, era o propagandista,
pessoas do sexo masculino que se tornavam profissionais dos
anúncios. Utilizando-se de recursos visuais chamativos, como as
pernas de pau, as roupas espalhafatosas, chapéus, gorros, bonés
multicoloridos, maquiagem circense, estes propagandistas
caminhavam pelas ruas e praças das cidades, empunhando enormes
canudos de metal, em formato de cones, por cuja embocadura
gritavam os anúncios das casas comerciais, do circo que
chegou, das festas religiosas, dos atos cívicos. Outro recurso
usado pelos propagandistas eram os cartazes que exibiam
de esquina em esquina, anunciando produtos, eventos,
acontecimentos de interesse geral.
Na nossa velha Itápolis os recursos da propaganda eram
pouquíssimos, para ser mais preciso, eram três: os cartazes
afixados em pontos de grande visibilidade, geralmente utilizando
lousas onde os dizeres eram escritos a giz; os propagandistas
com seus canudos e os volantes impressos em tipografia,
distribuídos aos passantes ou depositados nas entradas das
casas.
Com a chegada do serviço de alto-falantes e, mais adiante, da
Rádio Difusora, a propaganda deu um enorme salto, passando dos
recursos visuais e da garganta dos propagandistas, para as ondas
que espalhavam os textos lidos pelos locutores e pelos
jingles.
Com o passar do tempo foram-se aposentando os cartazes de
esquinas e os divertidos propagandistas de outrora, suplantados
pelos carros-propaganda e pelas ondas hertzianas que invadiam
todos os lares das famílias itapolitanas. Surgia
uma mensagem publicitária musicada e
elaborada, com um refrão simples e de curta duração, a fim de
ser lembrado com facilidade. Os primeiros jingles
gravados no Brasil, datam de 1019. Nos anos de minha infância os
mais conhecidos eram o do analgésico Melhoral (“Melhoral,
melhoral, é melhor e não faz mal”), o das Pílulas de Vida
do Dr. Ross (“Pílulas de Vida do Doutor Ross, fazem bem ao
fígado... de todos nós”), o do Xarope São João (Toca
o
|
Propaganda
impressa do Xarope São João |
telefone, trin, trin, trin – quando
atendem uma voz pergunta: “Quem fala?” , tossindo uma voz
responde “É a tosse” e ouve: “Como vai, dona Tosse?,
aqui quem fala é o Xarope São João!” – de imediato ouve-se
desligar o telefone e a voz comenta: “Alô, fugiu hem! É
sempre assim! A tosse, a bronquite e a rouquidão fogem
amedrontadas quando ouvem falar do Xarope São João”. Quem
não se lembra do jingle das Casas Pernambucanas,
fazendo propaganda de seus produtos de inverno?
(“Alguém bate na janela, de dentro perguntam: “Quem é?” , lá
de fora respondem: “É o frio!” e logo se ouve uma voz
cantarolando “Não adianta bater, eu não deixo você entrar...” e
daí segue o jingle). O
jingle tornou-se uma arma tão poderosa da
propaganda que alguns cantores se especializaram no ramo,
exemplos disto são os excelentes cantores Nuno Rolland e
Gilberto Milfont, estrelas da antiga Rádio Nacional do Rio de
Janeiro, a grande intérprete de Dolores Duran, Elza Laranjeira e
o cantor romântico Tito Madi, lembram-se dele?
Os jingles eram cantarolados pelas donas de casa
e pelas crianças, de tão populares que se tornavam. Alguns
tinham um papel que ia além da simples propaganda. Naqueles
tempos e não vai tão longe assim, havia um jingle famoso, que
entrava todas às noites às 9 horas, colaborando com os papais e
as mamães, mostrando às crianças que era hora de deixar a
televisão e ir para a cama. Lembram-se? (“Já é hora de
dormir, não espere a mamãe mandar, um bom sono pra você e um
alegre despertar!”). Este jingle dos cobertores “Parahyba”
se incorporou aos costumes dos lares brasileiros, nos tempos em
que se estabeleciam limites para as crianças, medida que era a
base de uma coexistência pacífica, respeitosa e tão saudável.
A propaganda evoluiu e chegou a um patamar de
grande sensibilidade, algumas tendo alcançado um nível tão
refinado que criavam até uma expectativa do ouvinte e do
telespectador, que esperavam a hora de saboreá-las. Um exemplo
disso eram as propagandas de antiga empresa aérea nossa. Criaram
vários vídeos nos quais se exploravam os sentimentos do
imaginário passageiro. Uma das criações mais sublimes é a do
vídeo que apresenta a historinha cantada de um japonês que
salvou uma tartaruga e essa, como prêmio, o trouxe para o
Brasil; aqui chegando ele se apaixonou por nossas paisagens e
pelo nosso povo e aqui ficou; mas chegou o dia em que a saudade
da terra natal bateu. Sua tristeza acabou quando ganhou uma
misteriosa arca e ao abri-la, viu que era uma passagem para o
Japão. É claro que a passagem era da Varig, Varig, Varig.
A melodia, de inspiração oriental e os versos perfeitos,
encantaram os brasileiros de todas as idades.
Pena que não dá para ilustrar aqui estes
exemplos de jingle tão ricos em criatividade, sugiro a
você, meu leitor e a você, minha leitora, uma visita às páginas
da internet fornecidas pelo Google e pelo Youtube, onde a gente
encontra tudo isto, basta pedir (Propagandas da Varig, das
Pernambucanas, do Xarope São João, dos Cobertores Parahyba, por
exemplo.).
Não posso deixar de registrar a minha grande
decepção com o retrocesso havido nos últimos anos, do nível das
propagandas, que com raras exceções, exploram e abusam da
gritaria, da exposição cansativa de produtos com preços e
prazos, todas muito parecidas, insistentes, repetitivas e
nocivas à nossa audição. O abusivo uso da figura da mulher como
objeto de pura atração comercial (vide os clips de cervejas) é
também um atestado claro da decadência injustificável do setor
publicitário, refem da ganância e do mau gosto. |