Na longínqua Hasbaya, cidade libanesa, situada próxima da
fronteira com a Síria, capital do grande vale Wadi El Taym,
viviam os Batlouni. Sua região, grande produtora de azeitonas,
mel, figo, pinhões e muitas outras frutas, com suas colinas
cobertas pelo verde-prata das oliveiras, abrigou essa família,
até que aconteceu o falecimento do Sr. Miguel, seu amado chefe.
Viúva, Dª Nasli teve a ideia de enviar seus três filhos mais
velhos, Jorge, Chafic e Tufic, ainda muito jovens, na verdade
menores de idade, para o Brasil. Por volta de 1915, os três
mocinhos aportaram em Itápolis, onde fixaram moradia e iniciaram
sua lida. Em pouco tempo conheceram os primeiros sucessos, o que
os encorajou a providenciar a vinda, do Líbano, da mãe e dos 5
dos 8 irmãos, que lá os esperavam. E aí vieram, com Dª Nasli,
trazendo o caçula Camilo, a Mary (pronuncia-se Má-ri), a Salma,
a Farid e a Emily.
O primeiro investimento dos irmãos Batlouni foi no ramo do
comércio de veículos. Os Batlouni foram os pioneiros na
instalação e funcionamento da primeira agência de carros de
Itápolis, nos anos 20, a agência Ford. Atraídos pela próspera
atividade agrícola da região, passaram a agência Ford para
frente e mudaram para o ramo de benefício dos produtos
agrícolas. Montaram um complexo de máquinas de beneficiamento de
café, de arroz e de algodão. Instalados nos altos da Rua
Bernardino de Campos, desenvolveram seu comércio ali, durante
muitos anos.
O Sr. Jorge
Batlouni, casado com Dª Mathilde, ostentava uma grande família:
cinco moças e dois rapazes, na época em que os conheci. Olívia,
Lodí, Olga, Ivone, Michel, a Nádia e o caçula José. Esta
turminha ótima cresceu e estudou ali, entre nós, no excelente
“Valentim Gentil”, onde foram alunos dos famosos mestres como
Professor Aureliano, Prof. Aminthas, Prof. Marão, Prof.
Abelardo, Prof. Barretos, Profª. Loreta, Profª. Joanita e tantos
outros.
O Sr. Jorge
Batlouni e seus irmãos compraram a fazenda Figueira, ali pelas
bandas do Rio São Lourenço, indo pela estrada asfaltada de
Ibitinga, onde desenvolveram grande atividade agrícola e de
comércio de madeira, produto abundante no nosso município. Foi
essa fazenda que forneceu o madeiramento todinho do nosso
Hospital de Misericórdia de Itápolis, em construção naquela
época.
Com o passar do
tempo a família foi aumentando, a Mary casou-se com moço da
família Saad e mudou-se para Ibitinga, um de seus filhos, Dr.
Roberto Saad, oftalmo, clinica em Itápolis; a Emily casou-se e
foi embora para a Argentina; a Farid casou-se e foi morar em
Borborema; a Salma permaneceu solteira e, pela sua brilhante
inteligência e rico conhecimento adquirido nos estudos, era o
suporte dos sobrinhos, que disso se valiam para seus estudos e
suas tarefas escolares.
Eu tinha perdido
contato com esta gente maravilhosa, mas o destino tem seus
caprichos! Minha filha, Lília, cardiologista, numa de suas
participações em congressos de sua especialidade em Nova York,
acabou fazendo parte de um grupo de mestres da matéria no
Brasil, entre os quais se destacava a figura de um dos melhores
cardiologistas do país. E quando esse mestre viu que minha filha
levava o nome Nigro, logo lhe perguntou: “Você é Nigro?” E
diante do sim, completou: “Na minha terra havia uma família
Nigro!” – “De onde o senhor é?”, perguntou a Lília. “Eu sou de
Itápolis” respondeu o mestre.
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Dr. Michel
Batlouni |
Minha filha
estava falando simplesmente com o Dr. Michel Batlouni,
conceituado médico cardiologista, um dos principais diretores do
excelente Instituto Dante Pazzanesi, complexo clínico-hospitalar
especializado em doenças do coração, o mesmo Michel que conheci
mocinho no bairro em que vivíamos.
Esse encontro
foi a mola que impulsionou o resgate de uma parte do meu
passado. Assim que pude fui encontrá-lo naquela grande
instituição e me deparei com uma pessoa que esbanja simpatia,
extremamente gentil e afável, que me reenviou às cenas tão
comuns daquele tempo feliz em que minha casa vivia cheia de
estudantes que ali moravam, como pensionistas e que recebiam
sempre os colegas, Jorge, Michel, Nádia, Sarinha, Julieta, os
“rabatachos” da redondeza, esta gente maravilhosa que Hasbaya
nos mandou.
Conversando com
o Dr. Michel Batlouni, tive a grande alegria de ouvir dele
palavras de saudades da nossa querida terra, saudade da grande
colônia libanesa e de muitas famílias com quem privou da amizade
e do convívio. E uma coisa muito importante é destacada pelo
nosso personagem, quando se refere à nossa terra: a excelência
do ensino que era praticado no nosso glorioso “Valentim Gentil”,
excelência essa, que segundo o Dr. Michel, facilitou muito o
sucesso dele e de seus familiares na carreira universitária.
O Dr. Michel
Batlouni, filho de Jorge, conserva hoje, segunda década do novo
milênio, o mesmo semblante e o mesmo sorriso que conheci na
minha juventude. Sua família permaneceu em Itápolis por muitos
anos.
Os negócios
foram-se modificando, o Sr. Jorge e o Sr. Camilo mudaram-se para
São Paulo; Tufic já se afastara dos irmãos há bom tempo e vivia
em São Paulo com a família. Chafic, o único que ficou em
Itápolis, beneficiava o café que seu irmão Jorge comercializava
em São Paulo e ali em Itápolis foi ficando até seu falecimento,
em 1964.
Eis aí a saga de
uma grande família, vinda de longe, amparada e incentivada por
uma mãe valente e corajosa, que chegou em nossa terra com ímpeto
empreendedor, apego ao trabalho e irrepreensível conduta ética.
Sua lembrança devolveu-me o cenário humano que emoldurou a minha
infância e a minha juventude, vividas na minha querida terra. |