Cheguei cansado desta viagem
que foi mais longa e demorada que de costume. A idade não me
permite o mesmo pique de outros tempos. O corpo e a mente
pedindo repouso, as ideias demorando para se organizarem,
juro que não sabia como escreveria a crônica desta semana.
Sentei-me frente ao teclado e, como diz o caboclo, garrei a
matutar. Encontrei por acaso uma bala sobre a mesa ao lado,
apanhei-a, descasquei-a e pus-me a saboreá-la. E aquele
sabor de menta começou a me transportar aos tempos de rapaz,
em noite de sair de casa. É, no meu tempo de moço a gente
tinha as noites de sair de casa, era na terça, na quinta, no
sábado e no domingo, quando já se começava a sentir um
gostinho de segunda feira. A gente saía de casa às 7 horas e
a noitada durava até no máximo 10 horas.
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Bala
Pipper, sabor inconfundível |
Fechei os olhos e deixei que
aquela bala de menta me conduzisse pelas veredas das
lembranças e logo me vi numa poltrona do cinema, ao lado da
namoradinha de plantão. Bala Pipper, qual o jovem que não
conhecia a bala Pipper? Gostinho de menta, misturado ao
hortelã. Durante as sessões de cinema o que mais se ouvia
era o barulhinho do desembrulho das balas. Aquele sabor
entre doce e ardido dava pra gente uma sensação de idade
adulta, quando se abandonam os sabores açucarados e se
enfrenta o gostinho picante da maturidade. As balas Pipper
eram um fetiche dos casais de namorados, o barulhinho que
faziam ao serem descascadas denunciava a presença do
casalzinho ali por perto, no escurinho.
Ah, os sabores da juventude! O
gosto amargo do primeiro copo de cerveja anunciando o
surgimento de uma criatura que deixou de ser meninão e
passou a ser um moço. O gosto amargo e ardido do primeiro
cigarro, experimentado às escondidas, que naquele tempo não
se fumava na frente dos pais, nem mesmo dos tios e tias. O
gostinho sublime do primeiro beijo, dado às pressas, naquele
vão de muro que protegia dos olhares, gostinho que ficava na
boca pela noite adentro fabricando sonhos.
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Propaganda da década de 1930 |
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A famosa
Gillete Blue Bade |
Ah, os aromas dos dias de
mocidade! O perfume da garota que ficava mais definido
conforme a gente conseguia se aproximar mais dela! O cheiro
da brilhantina que exalavam nossos cabelos fartos até então!
Tempos da Glostora, da lâmina Gilette, que se chamava “Blue
Blade”, das tiaras floridas que prendiam os cabelos cortados
em forma de coroa, tão perfumados, das moças que nos
prendiam com seus furtivos olhares. Era o “flert” que
anunciava o provável namoro, que alimentava os desejos e os
sonhos. Era tempo de tentativas de conquistas, de fazer
charme, de ver brotar a vaidade que maquiava os rostos
femininos, adornava suas vestes e seus cabelos. Naquele
tempo as barras das saias e dos vestidos tocavam os
tornozelos das adolescentes, a saia pregueada era moda, os
vestidos de lese faziam o sucesso das garotas, havia muito
capricho nos bordados, nas mangas rendadas, nos adereços.
Nada disto se comprava pronto, era tudo confeccionado sob
medida, fosse pelas mães, fosse pelas costureiras que eram
muitas na cidade.
Ah, o garbo das vestimentas dos
moços! Aos dezesseis anos o jovem estreava seu primeiro
terno, feito por um dos excelentes alfaiates da nossa velha
Itápolis. Comprava-se a peça de tecido numa loja ou na
própria alfaiataria escolhida. Podia ser no Corinto Gianotti,
no Roque Lapenta, no Roque Donadio, numa infinidade deles,
que nossa terra era rica em profissionais da agulha e da
tesoura. A gravata, ah, esta era indispensável, havia as de
algodão, as de seda, as de tecidos especiais; a cor podia
ser verde liso, vermelho, podia ser listrada, o que não
podia era faltar. E o chapéu? Naqueles anos 40, 50, o
chapéu era complemento muito usado, a maioria dos rapazes o
ostentava. Eram quase sempre de aba estreita, raramente de
aba média. O chapéu de aba larga era especialidade dos
homens do campo, principalmente dos cavaleiros e dos
boiadeiros. Naqueles anos já não se viam mais o chapéu coco,
a cartola e os bonés de tempos já idos.
Toda esta roupagem era exibida
durante o “footing”, que a maioria pronunciava “futi”. O
“footing” era o encontro dos jovens nas noites de sair.
Moças e rapazes caprichavam na arrumação, dirigiam-se em
grupos de amigas e amigos até ao Jardim, como era chamada a
Praça Pedro Alves de Oliveira e andando em círculo, moças
para uma direção, moços na direção contrária, a cada
encontro circular os olhares se procuravam e se o “flert”
progredia podia ali nascer um novo par de namorados.
Como ainda não havia novelas
nem TV, o namoro obedecia a rígidas regras de decência e uma
escala de aproximação entre os pares era sempre respeitada,
indo do encontro das mãos dadas até mesmo à troca discreta
de abraços e beijos. Talvez estas regras impostas pela
sociedade da época fossem excessivamente rigorosas, mas a
gente as recebia bem, com naturalidade, porque faziam parte
dos costumes de então.
A bala de menta já acabou, seu
gostinho está cada vez mais disperso e as doces lembranças
de um tempo de juventude vão se esvaindo, e não estou vendo
mais nenhuma bala para alimentar meu devaneio. E as balas
Pipper nem sei se ainda existem.