|
Praça Cônego Borges,
onde hoje está instalado o Fórum Valentim Gentil |
Na minha mais tenra Itápolis
quase não se usavam os nomes oficiais das ruas, os nomes
comerciais das lojas e os números das casas. As pessoas mais
conhecidas eram pontos de referência para se responder a um
pedido de informação. Assim, se alguém perguntava: “onde
mora Fulano de Tal?”, poucos responderiam: “ele mora na Rua
13 de Maio” ou “na Praça Cônego Borges”. A resposta mais
frequente era: “Sabe onde mora o João de Tal?”, se o
perguntador sabia, ouviria esta resposta: “É lá na rua dele,
um quarteirão pra cima da casa dele!”.
As pessoas que serviam de
referência viravam “donos” das ruas, das avenidas, das
praças, das saídas da cidade. Era a rua do Semeghini, era a
rua do Picafumo, era a rua do Xenofontes. A gente mal sabia
os nomes dos logradouros; morei na terrinha vinte anos,
andava pela cidade todinha, conhecia tudo e todos, mas
demorei muito pra saber que tínhamos uma rua com o nome de
Carlos Gomes, outra de Capitão Venâncio. Praça Cônego
Borges? Ah! O largo da matriz!!! Se a pessoa morava duas
ruas acima da Avenida 7 de Setembro – esta a gente sempre
chamou pelo nome - a gente dizia: “a rua do Paulo Elói, ou
dependendo do lado que a pessoa ia, “a rua dos Carelli”.
A cidade era pequena (a gente
não achava, mas era) e as coisas se simplificavam. Poucas
lojas eram chamadas pelo nome do estabelecimento. Na sua
maioria, eram a loja do Camillo, a loja do Conrado, a
farmácia do Carlito Tucci, o bar do Nino Celli, o salão do
Torricelli, o posto do Gianzanti, a sorveteria do Elpídio
Fontes, a oficina do Marconi, a borracharia do Samuel,
marido da Hilda Santana. Poucos estabelecimentos eram
chamados pelo nome de registro: a Casa Wady, assim chamada
por ter sido fundada pelo libanês Sr. Wady Abdelnur, irmão
do Sr. Nasry e do Sr. Fouad, que o sucederam, quando
mudou-se para a Capital, a Loja Santa Cruz, do Nucio
Tarallo, a Relojoaria Zillio, o Boulevard, bar requintado e
que durou anos, que foi do Chico Guzzi, do Manoel Borges, do
Toninho Del Guércio, isto que eu me lembro; a Magnólia,
empresa funerária do Sr. José Gentile. E tudo tinha nome
registrado na Junta Comercial, é claro.
As pessoas mesmo, de quantas a
gente sabia o nome verdadeiro e o sobrenome? Boa parte delas
era conhecida pelo apelido, que vinha ou da infância, coisa
de família, ou da escola, ou da profissão abraçada. Era o
Toninho Seleiro, era o Zé Bacalhau, se você está pensando
que ele era muito magro, acertou em cheio, era o Zé Osso,
que ganhou este apelido porque vivia da compra e venda de
ossos, de metais e vidros descartados, nos tempos da Segunda
Guerra Mundial, era o Chico Tripeiro, o chefe da família
Monteleone, que vendia tripas para fazer linguiças, fígado
de boi e outros miúdos, rodando com seu carrinho baú, puxado
por um cavalo. Tínhamos o Chico Barbeiro, filho da Comadre
Vitalina, aquela dos divinos biscoitos de polvilho, o
conhecido Tico Tico, chofer de praça, enfim uma porção de
pessoas conhecidas e queridas por todos. Era impossível
saber onde morava o José César, mesmo que houvesse várias
pessoas por perto, mas se o indivíduo perguntasse do Zé
Osso, aí todo mundo sabia que ele morava na Padre Tarallo,
lá pelos lados do Almoxarifado.
O nome correto de muita gente
só passou a ser conhecido do público em geral com o advento
das eleições, em 1946. Naquele tempo o cartório eleitoral
tinha recursos precários se comparados aos de hoje. Os
eleitores recebiam cédulas de papel com os nomes dos
candidatos e colocavam numa urna o seu preferido; o eleitor
era identificado por uma carteirinha e para saber onde votar
precisava consultar as listas de votantes que o cartório
publicava afixadas nas paredes do único local de votação.
Ali é que a gente iria se deparar, por vez primeira, com os
nomes verdadeiros e completos de muitas pessoas, homens e
mulheres, que estavam presentes no nosso dia a dia.
Naquelas listas em papel ofício
se viam datilografados os nomes dos cidadãos itapolitanos e
nelas havia incríveis surpresas. A primeira reação era
sempre de visível estranheza: “José Clemente Filho, ué, quem
é?”, ali do lado era outro que falava sozinho: “Ermenegildo
Rocha? Eu não conheço”... O José Clemente Filho era
conhecido como Nenê Cavalieri, nome do antigo dono da única
serraria de Itápolis, de quem era sucessor.
|
|
O inesquecível "Baiainho",
Geraldo Alves |
Dª Guilhermina, a
querida professora Dª Nhanhã |
O Ermenegildo era conhecido por
Rochão, dado sua alta envergadura. Frederico Hauers e seu
filho Geraldo Hauers, eram o Nenê Baiano, dono da empresa de
ônibus que fazia a linha Borborema-Novo Horizonte em dois
horários, 7 da manhã e 3 da tarde e o nosso inesquecível
Baianinho, que se imortalizou como o humorista Geraldo
Alves. O mais curioso dos casos aconteceu quando descobriram
que o popular Stanislau, mecânico oriundo da Polônia, tinha
como nome de registro Missislawa Kinestautas. E foi também
pelas listas de eleitores que muitos descobriram que a
querida professora Dona Nhãnhã Mallet tinha como nome de
batismo, Guilhermina.
Muitas senhoras daquela época
perdiam o nome quando se casavam e passavam a ser chamadas
como “a mulher do Fulano”. O engraçado disto tudo é que
ninguém se aborrecia se o chamassem pelo apelido, nenhuma
mulher se ofendia e nem acusava o outro de machista se fosse
chamada de “a mulher do Zé de Tal”.
|
Adail
Vetorazzo, o famoso "Linguiça" |
Eu tinha até um colega, amigo
de grupo escolar, que vivia frustrado porque ninguém punha
um apelido nele. A gente brincava com os próprios apelidos.
O Baianinho me chamava de Prehistórico, porque dizia que eu
tinha cara de velho. Aliás o Baianinho adorava por apelido
nos outros. Outro que era craque para criar apelidos que
pegavam, era o barbeiro Zezé Celli. O apelido que ele punha
pegava na mesma hora. Um dos mais famosos foi o Linguiça,
apelido que o Zezé colocou no seu pensionista, o estudante
que vinha de Engenheiro Schmidt, Adail Vetorazzo. Adail era
alto, esguio e magérrimo. Já contei em crônica passada o
mico que ele pagou quando foi dar sua primeira aula-teste
aos alunos da Escola de Aplicação. Quando perguntou às
crianças: “Vocês sabem como eu me chamo?”, ouviu a meninada
em coro gritar: “Linguiça. Linguiça, Linguiça”. Isto não lhe
causou nenhum complexo, não precisou processar ninguém por
“builling” (palavra antipática!), pois o Linguiça fez, anos
depois, em São José do Rio Preto, cidade onde se instalou
como cirurgião dentista, brilhante carreira política, tendo
sido eleito por duas vezes prefeito daquela importante
cidade, deputado estadual e deputado federal.
Eram certamente outros tempos! Tudo era levado na esportiva,
os espíritos eram desarmados, não havia esta competição
desvairada entre as pessoas, nem esta agressividade à flor
da pele. Os complexos ficaram para depois, parece que foram
jogados para este tempo de cotas raciais, de orgulho gay, de
desesperadas vítimas de buillings e todas estas
manifestações maníaco-depressivas de nossa nova Idade
Medíocre.