Andam dizendo na TV, nos jornais, na internet, que deste ano não
escapamos: o mundo vai acabar! Uns imaginam que vai ser um novo
dilúvio e pelo jeito que anda chovendo em algumas regiões, pode
até ser. Mas, não, tem muito lugar seco que dá dó! Então, como
vai ser este novo Fim do Mundo? Tem gente que morre de medo só
de pensar. Eu, particularmente, não tenho medo nenhum. Primeiro
porque já vivi bastante e segundo porque morrer na companhia de
toda a humanidade é bem melhor do que morrer sozinho.
Pois bem, esta história de “fim do mundo” é mais velha do que
ele, o mundo. Quando eu era menino, isto eu já contei aqui, a
gente, a molecada do meu pedaço, depois que cansava de brincar
na rua à noite, ia descansar no velho assento de caminhão que
servia de sofá no Posto Atlantic do Armentano. Sentávamos
juntinhos pra caber e ficávamos um tempão ouvindo as histórias
do guarda do posto, o saudoso Cocada, um moreno de olhos
grandes, que se arregalavam quando o relato era de cena de
terror. O Cocada era o nosso contador de histórias preferido,
ninguém empolgava tanto a gente como ele, com suas narrativas
cheias de altos e baixos, eivadas de suspenses e de revelações
surpreendentes. Passávamos ali momentos de emoção inesquecíveis,
ora alegres por serem engraçadas, ora horripilantes, de meter
medo, de dar susto. Quando vi o filme de Tom Hanks como contador
de histórias, “Forrest Gump”, juro que pensei “o Cocada era bem
melhor!”.
Uma noite em que nos recolhemos ao Posto mais cedo porque
ameaçava chuva, não sei se foi o tempo instável que o inspirou,
mas o Cocada resolveu nos “agraciar” com histórias assustadoras.
E aproveitou o clima de mau tempo para nos avisar do grande
perigo que se avizinhava, o mundo ia se acabar! “Quando,
Cocada?” perguntamos em coro, alguns quase soluçando. A resposta
foi meio vaga, como soe acontecer com os “videntes”, quando
postos contra a parede. “Quando, Cocada? É hoje? Amanhã? Quando
então?” Aí começava a enrolação: “Sabe, eu li no Almanaque
Capivarol”, que eu peguei lá na farmácia do Julinho Sudário”. “E
o que que o Almanaque fala?”
- “Bem, diz que Deus avisou Moisés, aquele dos Dez Mandamentos,
que em 1939, ia ter um rebuliço no mundo, que os homens iam
virar mulher, as mulheres virar homem, os bichos iam morar na
cidade e a gente ia tudo pro mato, nos rios ia correr pedra e as
montanhas virar lagoas, uma tremenda duma confusão. Aí Deus ia
aparecer lá no ceu, depois de uma chuva de mais de ano, e ia
dizer: “Vocês abusaram de minha paciência e ela se esgotou! Tá
tudo acabado! E sumiu lá nas alturas!”
“E daí, Cocada, o que que vai acontecer com a gente?” – “Num
sei, vou esperar o Almanaque Capivarol que vem, pra ler a
continuação! Mas, que vai acabar, ah isto vai!”
A esta altura, nossa imaginação de meninos variando entre 7 e 8
anos, já viajava nas nuvens negras do terror. Aquela noite eu
não preguei os olhos, acho que os outros também não. O duro era
ter que esperar o próximo Almanaque Capivarol, aquela revistinha
patrocinada pelo óleo de capivara, que servia pra quase tudo,
desde bronquite, até ferida brava. Rica em curiosidades,
anedotas, informações práticas, assuntos de toda ordem, aquele
almanaque era distribuído gratuitamente nas farmácias de todo o
Brasil, mas que o Cocada provavelmente não tinha lido, porque
não era de seu hábito nenhuma leitura. Mas, o Cocada falou, pra
nós era a palavra do nosso contador de histórias predileto, por
que duvidar?
O mundo não acabou até agora, embora tenha sido ameaçado tantas
vezes, mas dizem que este ano é pra valer. “Yo no creo en brujas,
pero que las hay, las hay”, depois de tantos absurdos que a
gente tem visto, como duvidar?
Na verdade o mundo volta e meia acaba. Quando toda uma geração
desaparece, sem sobrar ninguém, nem seus costumes, nem suas
lembranças; quando uma civilização inteira se extingue deixando
apenas sombras do que foi, quando a guerra destrói países
inteiros, exterminando multidões, cidades inteiras, que nunca
mais serão as mesmas, aconteceu: o mundo acabou. Acabou para
aquela geração, para aquela civilização, para aquela região do
planeta! E mesmo que de repente acabe tudo, será que é tudo
mesmo? Será o fim para uma espécie, para as testemunhas de um
dos reinos que compõem a Terra, seja ele animal, vegetal ou
mineral. Alguma coisa há de sobrar para que tudo recomece.
Enquanto isto, estou esperando o próximo Almanaque, para poder
saber. |