Quem vive e quem já viveu a vida do nosso interior, quem vivenciou o
modo de vida das cidades pequenas e médias, quem, observador, gravou
na memória os fatos, o linguajar, as manias, o ritmo dos passos e
dos acontecimentos das comunidades que se conhecem todos ou quase
todos, sabem que só a falta de oportunidades para evoluir na
profissão, nos estudos, nas posses pode justificar deixá-las para
trás.
Por mais comunicativo que você seja, por mais desinibido, entrão
mesmo, você não vai encontrar na cidade grande, na metrópole, o
calor humano que teve quando viveu num povoado, numa cidade de uns
20, 30 mil habitantes. Para sentir-se totalmente feliz vivendo numa
megalópole é preciso ter nascido numa delas, de preferência não
saindo dela e, se sair que seja para outra megalópole. Já vivi
muito neste mundo e tive inúmeras experiências para chegar a esta
conclusão.
Cidades como Monte Aprazível, como Itápolis, como a antiga Rio
Preto, que ainda não era São José, têm características que não se
transferem com você quando você muda para a Capital, para uma cidade
enorme. No interior você já nasce conhecido, não só da família, mas
de quase todo mundo, porque você já é esperado, você já é sabido e o
seu acolhimento envolve muita gente, seu nascimento vira uma festa
com incontáveis participantes, seu crescimento vai dar razão a
muitos “benza Deus” (que na verdade deveria ser dito “benza-o
Deus”), seu sucesso terá enorme repercussão, por exemplo quando você
é aprovado no vestibular, você recebe dois trotes, um lá na
Faculdade, outro na sua chegada à sua terra de origem. Até na morte,
o calor humano adia o regelar de seu corpo e a solidariedade dá
coragem aos familiares para seguirem vivendo.
Na cidade pequena ou média o namoro é vigiado, mas também tem
torcida, e o arroz que lhe jogam, saindo casado da Igreja, dá pra
fazer um banquete. Na cidade pequena você vive coberto por uma
multidão de anjos da guarda, você vai se sentir seguro, protegido,
pois a violência ali não viceja, porque as pessoas não a banalizam,
um roubo de roupa de um varal já causa indignação, faz redobrar a
vigilância.
Quando penso em tudo isto que falei e nas experiências que tive nas
cidades em que vivi, minha terra Itápolis, meu trabalho em Rio
Preto, a antiga, em Votuporanga, em Monte Aprazível e comparo com a
vida que tive que viver em São Paulo, não entendo por que me
sujeitei a tanta frieza, a tanta indiferença, a tanta insegurança..
Na grande cidade vi gente que conheci vivendo no conforto de uma
casa comum no campo, na fartura da criação no quintal, do leitinho
do curral, vivendo depois, na Capital, em barracos de bairros
longínquos sem quase nenhuma infra estrutura, submetendo seus
filhos a uma vida de escassez de tudo, inclusive de higiene, e
continuando ali teimosamente na vã esperança de melhorar de vida,
que vida? Vi muitos moços vindos do Nordeste, deixando lá seus
familiares, seus amigos, sua comida típica, numa árdua luta para
sobreviver na metrópole. A resposta era sempre a mesma, “estou aqui
pra ver se melhoro de vida.” E a quanto tempo ele não vai ver à
família? , “Faz cinco anos, o dinheiro não tá dando para a
passagem”.
O
ser humano não nasceu para viver como formiga, rodeado de milhões de
estranhos que, mesmo morando na frente da casa um do outro, mal
sabem seu nome, ignoram suas alegrias e fogem da sua dor. Se assim
fosse, não poderíamos alardear que “a família é a célula mater
da sociedade”, pois família nenhuma, enquanto todos vivos, se
compara ao formigueiro.
Eu vivi nas agradáveis cidades de dimensões razoáveis, por isto
sinto saudade, saudade que estou sublimando porque tive a sorte de
vir morar numa terra que conserva os velhos hábitos, do levar as
crianças à praça à noitinha, de reunir-se em bancos de jardins para
prosear, de jogar dominó, damas, malha e botcha nas praças equipadas
para isto. É docemente agradável, quando você sai à janela, dez
horas da noite e assiste a passagem das famílias voltando da Praça
do Sapo, rodeadas das crianças falantes de alegria, ou quando passa
por ruas mais adentradas e se surpreende com famílias sentadas na
calçada, de papo com vizinhos. Nestas horas Santos me faz lembrar do
Sr. Carlos Vessoni, meu vizinho em Itápolis, em sua infalível
cadeira na calçada a fazer parar todos que passavam para um dedinho
de prosa, quando a noitinha chegava. Estas cenas de Santos me
lembram o povão da Vila Aparecida voltando falante da Praça São João
de Monte Aprazível, onde tinham ido curtir as músicas da Fonte
Luminosa, deixando as crianças a brincar com segurança ao redor da
fonte, me lembram da calçada do Sr. Plínio e Dona Alice, rodeada de
vizinhos, como Dona Ermelinda Macri, Dona Ana também Macri e sua
nora Joana, a Maria do Camarguinho com a criançada brincando com os
filhos da Dona Egídia e o Sr. Moacir eletricista; até mesmo o Sr.
Coelho, pai da cabeleireira Nair, dava uma paradinha no portão pra
conversar. Logo alguém ia comprar sorvete e o papo seguia solto até
dez horas. Na minha rua, a criançada brincava de pé-na-lata, de “não
se mexa”, na esquina de baixo, a Dona Deca Junqueira e seu marido
Sr. João Caires, sentavam-se na calçada, rodeados pelos filhos e por
vizinhos.
Quem sabe vocês que estão me lendo não percebam claramente a vida
feliz que sua cidade, por não ser um gigante adormecido, está
oferecendo a vocês e aos seus. Felizes ou não, se daí saírem para um
grande centro, vão sentir muita saudade. O mundo já foi bem melhor
quando os homens viviam em pequenas comunidades, longe do turbilhão
de vozes sem identidade, de gestos sem carinho, de olhares que não
veem ou até inamistosos. Eu saí por extrema necessidade, mas nunca
abandonei o sonho de voltar. As cidades que me deram estas alegrias
mudaram muito, gostaria que voltassem a ser o que eram. Deus é tão
bom pra mim, que me mandou pra cá, onde posso curtir a lembrança do
que eram minhas cidades queridas. |