Vamos ver agora quem era destaque como prata da
casa em Monte Aprazível, nos idos anos 60. A cidade os tinha e de
vários gêneros. Cantores líricos, seresteiros, roqueiros, duplas de
violeiros, cantores esteriotípicos, comediantes, uma variedade de
estrelas locais. O que era raro se ver na maioria das cidades médias
e pequenas era a arte lírica, que reunia cantores, instrumentistas e
regentes, dedicados à desenvolver o canto na sua forma mais
elaborada, obras de grandes compositores, com orquestração executada
segundo partituras; em Monte tínhamos um grupo dedicado a isto,
formando coral, apresentando árias, trechos de óperas e operetas.
Estas práticas se davam, na maioria das vezes, nas aulas ministradas
pela Professora Maria Aparecida Neves Rodrigues Pereira, Diretora do
Conservatório Musical, que tinha a colaboração da Professora Maria
de Lourdes Pessoa de Barros, a participação ativa de Arioste
Monteiro, de Gerson Stochi, de Nely de Paula, de Lygia Elsa Leal, de
Julinho Amarante, de Pedro Gusson e da Adelaide, irmã de Dona
Aparecida. Esta dedicação ao canto lírico foi fomentada pela
excelente mestra do bom gosto e da cultura musical, Dona Aurea Neves
Rodrigues, mãe de Dona Maria Aparecida e que era pessoa de grande
destaque na vida cultural de Monte Aprazível, tornando-se uma
referência merecedora de nosso respeito.
Os seresteiros românticos da cidade eram muitos,
nem com todos pude privar de mais estreito convívio. Minha lembrança
me devolve a imagem do Serginho, como era conhecido o Sérgio de
Oliveira, bom de violão e de cantoria, voz suave propícia para a luz
do luar. Serginho, casado com a minha querida aluna Marilda Céleri,
foi-se embora cedo demais, certamente para entrar no coral dos anjos
celestiais, pois era uma alma doce. Serginho tinha vários amigos que
cultuavam as serestas, como o Adalberto, o João Cláudio e, por
ironia do destino, estes também partiram jovens. Adalberto, irmão do
relojeiro Sinésio, da Nilce, moça muito comunicativa e querida por
todos, do Carlinhos, sua família que era Rodrigues, morava na
Avenida da Saudade. O Adalberto, além de uma bela voz, tinha também
um espírito privilegiado, o que tornava difícil ficar sério estando
perto dele. Uma das especialidades do Adalberto era inventar
apelidos perfeitos e que pegavam mesmo. Cito dois para ilustrar. Num
jogo de basquete, na Sede Pio XII, apareceu um novo jogador, filho
de um recém chegado gerente do Banco do Brasil; o moço, chamado
André, se não me engano, tinha o físico talhado para este tipo de
esporte, era bem alto e magro, o que o destacava na quadra. Acontece
que ele usava óculos de lentes grandes e aros pretos, jogava com os
óculos pousados no nariz, o que lhe dava uma silhueta curiosa. De
repente, numa jogada mais importante ouviu-se a voz destacada do
Adalberto: “Vai Periscópio! Vai nessa!” A quadra explodiu em risadas
e o comentário que mais se ouvia era “É isto mesmo!” Era o próprio
periscópio que se via nos filmes! Parecia aquele instrumento usado
nos submarinos para espiar lá de dentro o que acontece lá fora no
mar. Outra do Adalberto: eu conversava na Praça da Matriz com um de
meus alunos da Aliança Francesa, filho do Sr. Alexandre Agopian, que
vendia e consertava bicicletas ali na 26 de Maio, quando passa o
Adalberto e fala para o Agop: “Como é, Gangorra, tá demorando pro
professor levantar hem!” Disse isto e foi para o Bar do Cidinho
Teixeira. Passando por lá, vi o Adalberto, me aproximei e perguntei
por que ele chamou o Agop de Gangorra; “Professor, o papo dele é tão
chato, que se tem alguém sentado na ponta de um banco, ele chega e
senta, o outro levanta e vai embora, é automático!”
Já que mostrei o lado cômico do Adalberto, vou
trazer à cena uma dupla de moças aprazivelenses que matavam de rir
as plateias do Clube quando resolviam dar seu show. Célia Bassan,
filha do Sr. Pedro e de Dona Carmela, irmã da Uzenir, do Bé (Colbert
pra quem não sabe) e do Luís, mais a Vera de Oliveira, agora Príoli,
filha do Sr. Alcides da Força e Luz, irmã do Roberto e da Nilva;
estas duas bolaram uma dupla de oriundi d’Italia, filhas de
imigrantes, apresentavam um diálogo engraçadíssimo, estilo Vitório e
Marietta, dupla de enorme sucesso na época. Deitavam falação sobre a
vida alheia, criando um clima cômico digno dos melhores programas
humorísticos do Rádio e da TV.
Outro destaque na nossa Monte era o cantor solo,
já na idade madura, o famoso Calça Larga. Lembram-se dele, cantando
“Dominique”? Era um show à parte. Calça Larga cantava na Rádio
Difusora, no alto-falante da quermesse e impressionava pelo vigor do
seu canto, parecia uma moto-niveladora passando por cima da sua
própria arte. E os violeiros? Tínhamos, na época, a dupla caipira
Guerra e Kardec, um era balconista da Casa Macri, o outro era pintor
de parede; outra dupla famosa na cidade eram os irmãos Peixinho &
Peixoto, com o barbeiro Alvarenga, da dupla Cacique e Pajé e seu
irmão.
Com a explosão dos Beatles, do Elvis Presley, da
Jovem Guarda, não custou nada aparecer a primeira banda de rock de
Monte Aprazível, liderada pelo Julinho Amarante, com a participação
do Mosquito, do João da Dona Aurea, do Miguel e de outros
componentes, estava criada a banda “The Crazies” (0s Loucos).
Lançaram-se na barraca-bar da quermesse de 1966, com suas guitarras
elétricas, seu instrumental todo ligado a um emaranhado de fios e
cabos, introduzindo o toque ritmado que encobria até a fala do
cantador do bingo. Era tanto fio que o Abílio Príoli me perguntou se
eu tinha presenciado a turma da Usina de Urubupungá, referindo-se, é
claro, aos “The Crazies”.
A quermesse de 1966, que era o coração da Festa
de Agosto, naquele ano presidida pelo saudoso Esuperândio Júlio,
contando também com minha colaboração como “festeiro”, foi toda
abrilhantada por “pratas da casa”. Quando se decidiu usá-los, os
prata da casa, sem trazer artistas de fora que acabavam levando boa
parte da renda, o Esuperândio pediu ao Padre Altamiro que não
prometesse celebridades aos fiéis, como fazia todos os anos. Na
primeira missa depois desta decisão, o padre, no seu sermão
dominical, anunciou a vinda simplesmente da Elis Regina, em pleno
apogeu e da dupla Tonico e Tinoco, tão famosos como a Elis. O
Esuperândio chamou a atenção do padre lembrando o que foi combinado
e eu me lembro da resposta do padre: “ Eu falei só pra animar a
festa, não liga não, o povo sabe que é puro blábláblá meu, eles não
acreditam!”
A Festa de Agosto daquele ano deu um lucro muito
alto, que ficou todo para as obras da Igreja, pois o cachê dos
artistas da terra era um cupon para participar da famosa ceia. O
Esuperândio, filho do Sr. Antonio Júlio, teve um fim que abalou a
cidade. Ele, seus dois irmãos Ranulpho e Henrique, mais o amigo José
Otávio Quarezemim, irmão da Wilce, perderam a vida num acidente com
a aeronave que os transportava para uma região do Paraná. A
consternação foi geral na cidade, pois eles eram jovens, dinâmicos e
muito queridos de todos, juntando com seu irmão Egas.
As Festas de Agosto daquele tempo eletrizavam a
cidade, com suas barracas diversificadas, o largo da Matriz ganhava
uma atmosfera de fantasia, de interação das famílias, de
musicalidade, alegria constante, que fazia vibrarem os corações.
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