Os tipos humanos
populares na Monte Aprazível dos anos 60 não se limitavam aos
personagens despojados como o Mané 21, como o Beto Mazzaropi. Havia
aqueles que se tornavam populares embora pertencessem à classe dos
comerciantes, dos bancários, dos funcionários públicos e outras
classes. Na crônica passada não quis exagerar seu espaço falando de
mais dois tipos bem conhecidos de todos, o Zé Bonitinho e o Agrião.
Eles surgiram numa época em que eu já dividia meu trabalho entre a
Aliança Francesa de Monte Aprazível, auxiliado pela brilhante aluna
Vera Zangirólame, e sua extensão de Votuporanga, mas eu os conheci.
O Zé Bonitinho era um tipo magrinho, miúdo, que andava sempre muito
depressa, distribuindo sorrisos e palavras desconexas. Contam que
ele, ao contrário do Mané 21, que acompanhava os enterros de forma
respeitosa, dizem que o Zé Bonitinho às vezes acompanhava os
cortejos fúnebres fazendo com as mãos o gesto característico da
expressão “bem feito!”; também corria na cidade um episódio que
envolvia o Zé Bonitinho e o ônibus do Célico que fazia a linha para
Engenheiro Balduíno. Contam que o velho ônibus voltava de Balduíno
para Monte, quando o motorista avistou o Zé Bonitinho andando rápido
em direção à cidade; quando o ônibus emparelhou com ele, o
motorista, que sempre viajava com a porta aberta, foi parando e
convidou: “O, Zé, sobe aqui, pode subir, você não paga nada!” O Zé
Bonitinho, andando mais depressa ainda respondeu “Brigado moço, num
carece, eu tô cum pressa!” Não sei se isto é verdade, ou se é
invencionice para tirar um sarro daquele ônibus que se arrastava de
tão velho.
Outro personagem
bem conhecido em toda a cidade era o Agrião. Eu já soube o nome
dele, mas a memória não o registrou bem. Era um mocinho de uns
dezesseis, dezessete anos, tipo claro, magro, esguio, que ganhou
este apelido porque vendia agrião, só agrião; com seu carrinho feito
com um caixote de madeira, passava pelas casas anunciando “Agrião!,
olha o Agrião!”. Eu conversei com ele algumas vezes, quando o
encontrei na entrada de minha casa, comendo um prato de comida,
preparado pela Maria Henriques, nossa empregada, que Deus a tenha.
Ele era convidado de meus filhos, da Lília e do Ricardo e almoçava
rodeado pelas crianças que queriam ouvir suas histórias. Lembro-me
de ouvi-lo contar que veio de São Bernardo do Campo para morar com
um tio que tinha uma chácara lá pelos lados das Canôas e que este
tio batia nele se não vendesse todo o agrião, o que molhou de
lágrimas os olhos da Lília.
Um personagem
muito conhecido em Monte, comerciante de livros e papelaria, era o
inesquecível Décio Tavares, pai do Fernando e do Torinha, dono de
uma ótima papelaria ali na rua principal. Quando o Décio aparecia na
porta do Bar do Abílio, se apoiava na porta de entrada, a gente
sabia que ali vinha história e muito boa! Décio Tavares tinha o dom
divino do contador de “causos” reais, claro que salpicados de seus
detalhes inimitáveis. Certa vez ele chegou, parou na porta, olhou
para os presentes e anunciou: “Seu Fulano está doente!, pela
primeira vez na vida não foi trabalhar na loja!” Falava de um
comerciante conhecido por ser extremamente “econômico”. Perguntado o
que este senhor tinha, Décio disse que os médicos ainda não sabiam.
Dias depois, o Décio chega, olha para todos, como sempre e anuncia:
“O Seu Fulano sarou, já está trabalhando na loja!” Todos se
apressaram em perguntar se descobriram o que ele tinha! Décio fez um
pouco de suspense e explicou: “O que ele teve ninguém sabe, só sabem
que apareceu uma velhinha na casa dele, receitou que fizessem um
chá de notas velhas, o chá foi feito, lógico que com notas de 1
cruzeiro, ele tomou o tal chá e sarou na hora!” Só o Décio Tavares,
com sua argúcia e criatividade poderia ter contado aquilo. Outra
vez, como eu era novo na cidade, ele sentou-se do meu lado, virou-se
para mim e perguntou: “Professor, o senhor já assistiu à peça
“Cristo no Rebolado”? Eu estranhei a pergunta e ele explicou: “Aqui
em Monte passou! Foi num circo que passou por aqui na Semana Santa.
Estavam representando a peça “Vida, paixão e morte de Jesus Cristo”,
quando fizeram intervalo e fecharam a cortina para pendurar o
“Cristo” na cruz; aí o artista pediu um cigarro, alguém lhe deu um
cigarro aceso e ele ficou fumando lá em cima na cruz. De repente
abriram a cortina sem avisar e o “Cristo” estava fumando. Agora,
imagina a cena, professor! “Jesus” crucificado, fumando!? O artista
tratou logo de cuspir o cigarro, só que o bendito caiu na “tanga”
dele e começou a queimar as partes dele; o “Cristo” então começou a
rebolar para se livrar do cigarro. Estava criada a peça “Cristo no
Rebolado”. Os presentes confirmaram a história, que contada pelo
Décio, tornou-se uma pérola da literatura humorística. Nós perdemos
o Décio muito cedo, Deus o levou, provavelmente numa crise de
egoísmo, devia estar querendo alegrar a vida dos anjos.
Outros cidadãos
aprazivelenses eram notáveis como contadores ou causadores de
histórias incríveis, sempre enriquecidas pela criatividade dos
mesmos. Quem se lembra do contabilista Walter Ênumo? Era um deles!
Do Mineiro, sempre rodeado de ouvintes, quando contava piadas? Do
Noninho Maionchi quando falava da sua “bella Itália”? Do Geraldo
Berardo, um elenco de boas histórias? Do Chumbão, figura
inesquecível? Do próprio Padre Altamiro, uma riqueza de histórias?
E de mais gente? Não se lembram? Vou lembrá-los, se Deus o
permitir. |