Dia 05 de setembro de 1956, de um belo dia de ceu azul,
ensolarado, Dona Nena, pessoa que guardo no coração, está me
fornecendo o horário das aulas de Francês. Enquanto converso com ela
no guichê da Secretaria, os alunos vão entrando, curiosos,
medindo-me dos pés à cabeça, tentando adivinhar o que aquele
estranho estava querendo ali tão cedo. Os colegas foram chegando,
fui sendo apresentado conforme entravam. Dona Nena, sempre gentil,
me acompanhou até à Sala dos Professores onde trocamos algumas
informações, todos muito simpáticos. E tocou o sinal! Chegou a hora
de dar a primeira aula! A primeira classe que me coube foi a
meninada da 1ª série, aluninhos que me rodearam, ávidos de ter
contato e de conhecer uma nova língua. No período da tarde foi a vez
da 4ª série ginasial, que hoje corresponde, mais ou menos, à 8ª
série do Curso Fundamental. Entrei recebido pelos alunos todos de
pé, tomei a iniciativa de cumprimentá-los um a um, perguntando-lhes
o nome e convidando-o a sentar-se. Minha ansiedade foi-se diluindo
ao deparar com alunos tão bem comportados, ar interessado, ambiente
favorável a uma boa aula. Lembro-me que fiz uma introdução à língua
francesa, mostrando suas origens, suas diferenças e suas semelhanças
com nossa língua portuguesa. Fui logo bombardeado com perguntas de
todo lado, ditas com respeito, vozes pausadas, olhares atentos. Era
assim que se comportavam os estudantes daqueles tempos. Depois de
conhecer todos os alunos, quiseram saber o que eram Letras
Neolatinas, pois foram informados que eu vinha deste curso na USP.
Foi a sopa no mel, discorri sobre as raízes linguísticas, mostrei os
grupos que se formaram do latim e do grego, todo mundo atento,
levantando perguntas bem apropriadas. Lembro-me de quase todos,
alguns com maior destaque, como a simpática Roseli Cury, como aquele
mocinho espigado, o mais alto da classe, curiosamente tratado como
Jaiminho. Era o Jaime Fernandes de Oliveira, irmão de mais dois
alunos que eu já havia conhecido pela manhã, o Régis e o Moacyr.
Naquela classe havia também uma moça alta, magra, cabelos pretos e
curtos, que em poucas aulas revelou-se muito inteligente, chamava-se
Ruth Antonio e me impressionou pelo seu conhecimento de latim, sua
maneira corretíssima de falar. Gente como ela foi-se pouco a pouco
revelando, o que me fez compreender que eu estava trabalhando numa
escola de ótimo nível, com alunos que aproveitavam muito bem as
aulas. Na classe da 3ª série encontrei alguns meninos que também se
revelaram excelentes alunos, a classe toda era composta de meninos
ávidos de aprender, uma turma mais agitada do que é comum encontrar
nas escolas, porque não era uma agitação por indisciplina, era por
interesse que eles me enchiam de perguntas, queriam saber
todo o vocabulário da língua francesa numa aula só. Achei isto
ótimo! Nesta classe estavam o Rui Goethe Falcão, ele mesmo, o Rui
Falcão que hoje é o presidente nacional do PT, menino de uns doze ou
treze anos de idade e que gostava de encostar o professor na
parede, com perguntas ardilosas que denotavam que ele tinha uma
boa base de instrução; outro aluno que se destacava era o Roberto
Céleri, também o Roberto Spolon, que nos deixou tão moço. Por isto
eu apelidei a classe de Sala dos 3 Erres. Em geral a escola
apresentava um excelente nível de aproveitamento e um agradável
clima disciplinar. Está certo que vivíamos uma época em que o ensino
público era de alto nível, a escola pública causava orgulho aos
cidadãos, por Isto ser professor naquele tempo era tarefa agradável,
se não éramos regiamente pagos, pelo menos tínhamos a maravilhosa
recompensa de sermos respeitados, valorizados socialmente, vendo
nosso trabalho surtir efeito mais que satisfatório.
Este primeiro contato com Monte Aprazível foi rápido e meio
tumultuado, eu deixei compromissos profissionais em São Paulo, o que
me obrigava a me ausentar vez por outra, num cansativo vai e vem,
viajando de trem e em estradas municipais, que eram muito
românticas, mas desgastantes.
Deixei Monte Aprazível com sua linda Represa dos Sonhos, com
sua gente extremamente comunicativa e cheia de calor humano, para
assumir a cátedra de Língua e Literatura Francesa da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto, que era a
primeira unidade da futura UNESP, cujas atividades tiveram início em
março de 1957. Isto posto, as próximas crônicas focalizarão o meu
retorno a esta terra querida, os anos que aí passei com minha
família, terra e gente que meus filhos curtiram de forma
inesquecível e que marcam um período de realizações, amizades,
alegrias que permanecem cravadas em nossos corações. |