Hoje estou sem
assunto, experimento aquela sensação que de vez em quando nos
confunde a mente e a gente fica incapacitado de reunir
lembranças, estimular a imaginação, alinhavar um texto. Na
verdade esta semana está sendo assim pra mim. Já me sentei
várias vezes diante do computador, escrevi o cabeçalho e...
nenhuma ideia, nenhuma lembrança, nenhuma palavra que
despertasse a memória. Fiquei eu a olhar para a tela branca,
esperando. Mas, esperando o que? Nem isto eu sabia, nem isto
estou sabendo.
Então, como será
preciso fechar a edição desta semana, resolvi sentar-me aqui e
deixar rolar, como dizem atualmente. Sabem que esta expressão
“deixar rolar” é bem simpática? Tem gíria que não pega bem, que
não vinga. Ou porque não exprime bem o que se quer dizer, ou
porque tem uma sonoridade feia, desagradável ao ouvido, ou
porque é grosseira. “Deixar rolar” diz tudo, quando não se pode
controlar os acontecimentos ou as pessoas; tem uma sonoridade
agradável, por isto pegou.
Na minha mais
tenra Itápolis também tínhamos a nossa gíria, que alguns chamam
de jargão. Era bem diferente da de hoje. Dizer como era vai
certamente causar risadas nos mais jovens. Mas, vou arriscar.
“Deixar rolar!”, por exemplo, era “levar na maciota”. – “Você
não sabe se gosta mesmo dele? Leva na maciota!”, está aí um
exemplo; maciota é um derivado de macio, quer dizer
não pega pesado, pega macio, deixa o tempo correr que as coisas
se resolvem.
Vocês já ouviram
contar que antigamente o rapaz pedia em namoro dizendo “Pode
ser ou está difícil?”. Pois é, isto é gíria da boa,
caracteriza o linguajar de uma época, de um grupo social.
Naquele tempo se alguém quisesse dizer “claro que sim”,
esta maneira de afirmar com convicção, podia também simplesmente
dizer: “Mas nem!” Quer ver como era?
“ –Você tá torcendo pro Oeste? -- Mas nem!” Esta gíria
durou anos, e não era só em Itápolis não, ouvia-se “Mas nem!”
em todo nosso Interior. Se o sujeito era “legal” (gíria de
agora), diziam Ele é “supimpa!” Se a pessoa achava que
uma certa idéia ia dar errado, ou ia causar estrago, ou ainda se
ia causar briga, o que mais se ouvia dizer era “isto vai dar
bode!” ou “você vai dar com os burros n’água!”
Se o rapaz ia
tirar uma moça pra dançar e ela dava uma desculpa, mesmo que
fosse por motivo real, diziam “Chiii, ele levou táboa!”
O moço em questão “levou táboa”, a moça que se negou a
dançar “deu táboa” , entendeu? Quando o rapaz ou a moça
lançava olhares convidativos para o sexo oposto, dizia-se
“Fulano está de flerte com Sicrana”. “De flerte com”
é expressão que vem do inglês “flirt”. E flirt deu o
verbo flertar: “Fulano está flertando com Sicrana”, ou ainda
“Ela gosta de flertar com os rapazes”.
Eu usei aí atrás
duas palavras que estão desaparecendo do vocabulário cotidiano,
“Fulano” e “Sicrano”. Tem uma terceira palavra
relacionada com estas, “Beltrano”. Quase não se ouvem
mais estas três palavras, tão em uso antigamente. Mas isto não
quer dizer que elas façam parte da gíria de uma época. Fulano,
Beltrano e Sicrano são vocábulos de nossa língua portuguesa
oficial, estão no dicionário. Elas têm origem em antigas
línguas, têm vida longa, portanto. As palavras da gíria não
estão nos dicionários convencionais, podem aparecer em
dicionários alternativos (Dicionário da Gíria Brasileira – de
Arthur de Menezes, por exemplo). Isto porque uma gíria pode ser
de uso restrito de uma região, pode também durar pouco, sofrer
mutações bem mais rápidas que as palavras comuns. Fulano,
Beltrano e Sicrano sempre estiveram nos dicionários e ainda
estão. São formas que a língua portuguesa encontrou para
substituírem os nomes próprios de pessoas que são ou foram
personagens de um acontecimento que a pessoa está narrando e não
quer revelar os nomes. Geralmente estas palavras aparecem no
masculino, pois era falta de bons modos usá-los para se referir
a uma mulher.
Outra expressão
bem na moda naqueles velhos tempos em que vivi em Itápolis era “uma
coisa puxa a outra”, que expressava uma idéia leva à
outra, uma lembrança traz outra. Pois é, meus caros
leitores, eu que estava sem assunto, que não tinha nada de
antigo pra lhes contar, fui escrevendo, escrevendo, uma coisa
puxa a outra e acabei flertando de novo com o meu passado. Juro
que quando comecei a escrever pensei que ia dar com os burros
n’água. Às vezes está difícil, mas pode ser. |