Nos
velhos tempos, quando ainda os imigrantes curtiam a saudade da
pátria distante, sírios, libaneses, espanhóis, alemães, italianos,
todos cultivavam o espírito de colônia. Frequentavam-se,
solidarizavam-se, formando assim grupos afins, facilmente
perceptíveis. Como os alemães, os poloneses eram poucos, constituíam
um só grupo. Mas os mais numerosos, árabes e italianos,
predominantes na cidade, com vantagem numérica para os italianos,
esses se distribuíam em diversos grupos, motivados pela região de
onde provinham e não do país. Assim, os que vinham de Beirute, os
que vinham de Hasbaya, os que vinham da Bassa Italia (Calábria,
Catânia, Palermo, até mesmo Nápoli), os que vinham da Alta Itália
(Pádua, Trieste, Parma, Verona) e os que vinham da Itália Central
(Gênova, Foggia, Livorno, Florença, Treviso). Se viajaram no mesmo
navio, na vinda para o Brasil, então, a amizade se estreitava mais
ainda.
Meus
nonos (avós) tinham um grande número de famílias que os frequentavam
e vice-versa, mas eram muito mais chegados às famílias que provinham
da mesma região de origem. Eram os
Bregagnoli, os Carelli, os Mortati, os Fanelli, os Gardelin. E de
onde vinham os Gardelin? Donde vieram os pais da Rosa, do Antonio,
do Fioravante e mais sete?
Albano e Maria
Gardelin deixaram para trás a pequena Venoza, na região de Potenza,
província de Napoli, Bassa Italia. A mesma região de meus nonos, não
muito perto, pois meus nonos são da região de Cosenza. Mas havia
muitas coisas em comum entre eles, tais como as precariedades então
marcantes de todo o sul da Itália, a culinária, a religiosidade, os
traços culturais como a música regional, as danças populares e o
temperamento intrépido de seus habitantes.
Os
Gardelin, como os Nigro, chegaram ao Brasil em 1897, não posso dizer
que tenha sido no mesmo navio, mas não é improvável, pois a amizade
entre eles era bem forte, disso me lembro bem. O sr. Albano recebeu
no Gabinete da Imigração, em São Paulo, a indicação para ir viver e
trabalhar em São Carlos, numa fazenda chamada Canchim, situada onde
hoje está instalada a conceituada Unifesc (Universidade Federal de
São Carlos). Nessa fazenda nasceram dois filhos, o Antonio e a Ana.
Uns cinco ou seis anos mais tarde, Sr. Albano transferiu-se para
Itápolis, na colônia da Fazenda Massari, numa daquelas casinhas
brancas lindamente alinhadas, que se viam lá da varanda da minha
casa, na Francisco Porto. Ali no Cyniro Massari, como era costume
dizer, na casa dos Gardelin, os “oriundi”, nos fins de semana se
reuniam para relembrar as coisas boas da terra que deixaram. Ali
podiam se encontrar os Granucci, os Renesto, os Perseghini lá da
Vila Nova e os Nigro (Nicola e Beatrice). Ali choravam a saudade,
brindavam a amizade e cantarolavam as “conzonete” , quando não
dançavam uma “tarantella”. Sei disso porque ouvia falar muito dos
Gardelin na casa no Nono.
O Sr.
Albano tinha como profissão a de carroceiro, trabalhou duro, como
era comum aos imigrantes, juntou suas economias e comprou uma
chácara ali na Florêncio Terra, onde completou sua família, pois a
Dona Maria deu à luz ali a nada menos que oito filhos: o Olindo, a
Iolanda, o Fioravante, a Rosa, que quando moça eu via passar na 13
de Maio, a caminho da Casa Sta. Cruz, do Nuccio Tarallo, onde
trabalhava como caixa, depois vieram o José, os gêmeos Dazil e Zilda
e o caçula, Cármino. Nota-se bem que os nomes nos filhos, com poucas
exceções, são tipicamente italianos.
Os
homens da família, exceto o Dazil, tornaram-se exímios na arte de
fabricar sapatos, lembro-me bem de seu estabelecimento ali na
Florêncio Terra e dos comentários elogiosos que todos faziam de seus
produtos. Itápolis experimentava um período de grande
desenvolvimento comercial, como já disse numa das primeiras crônicas
e os Gardelin se destacavam no setor. Como é natural, casaram-se e
formaram novas famílias. Como eu tive a oportunidade de conhecer uma
delas, vou destacá-la aqui.
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A alegria do reencontro foi muito
grande! |
Vindo da Itália na mesma época de que os Gardelin, o Sr. Carminuccio
Martoni também se instalou em Itápolis e formou uma grande e
prestigiosa família, os Martoni. Geraldo, o pai da Inezinha,
Ernesto, que tinha uma oficina ali na Padre Tarallo, a Pierina e a
Hilda. Uma das primas destes moços, a Elisabeth Martoni, residente
em Campinas, veio visitar seus parentes e conheceu o Antonio
Gardelin. Começaram ali um namoro que perdurou à distância e acabou
em casamento, celebrado em 1931, mesmo ano em que meus pais, Vicente
e Isabel se casaram. E desse casamento nasceram minhas coleguinhas
da Escolinha da Dona Mazé, a Wônia e a Wolmar, duas das meninas mais
lindas que já vi nesta longa vida. E esta dupla teve um irmãozinho,
que eu conheci bem pequeno, o Walson, este grande ser humano que só
fui rever, muitos anos depois de sua partida para Campinas, em 1947,
de onde voltou para Itápolis quando da festa memorável dos 80 anos
da Escola “Valentim Gentil”.
O Sr.
Albano, com seu gênio extremamente afável e alegre, deu o tom e a
marca aos Gardelin, gente muito gente que enriqueceu humana e
socialmente a nossa querida terra. |