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Usina Hidroelétrica do
Ribeirão dos Porcos, em funcionamento até os dias de
hoje |
Quando eu era
um menino de calças curtas, lá pelos idos de 1940, 41, 42, meu
padrinho, tio Manoel Ramos, marido da minha tia Lucila, vinha me
buscar para passar uns quinze dias de minhas férias na sua
fazenda, situada nas “3 Barras”, um complexo de fazendas de café
que foi formado pelo patriarca da família Ramos, o Sr. Antônio.
As “3 Barras” pertenciam ao município de Borborema e compreendia
ainda uma pequena hidroelétrica, a Usina do Ribeirão dos
Porcos, instalada bem na divisa traçada pelo próprio Ribeirão,
mas já do lado do município de Itápolis, um pequeno amontoado de
casas, com uma capela e a venda do Antenor, à beira da estrada.
As jardineiras do Nenê Baiano cortavam aquela estrada
poeirenta na seca, enlameada no período das chuvas.
E era justo
neste período, no das chuvas de janeiro, que eu ia passar minhas
férias naquela fazenda encantada, naquela casa grande e
avarandada, com pomar ao fundo, tulha e chiqueiro à direita e o
grande mangueirão à esquerda. Da varanda a vista se alongava até
o alto da colina atrás da qual eu achava que já era Borborema.
Eu e minhas priminhas Maria Rita e Maria Ignez passávamos horas
naquela varanda, ora brincando, ora contemplando o horizonte por
onde serpenteava a estrada, ao alto da qual se via o sobrado
novo, cor-de-rosa, do Chico Ramos, um dos treze irmãos do tio
Manoel. Os demais tinham suas fazendas dentro do vasto
território das “3 Barras”, só um deles vivia na Capital, o
Eusébio, que pude ver poucas vezes. Ao lado ficava a fazenda da
Tia Nica, irmã do meu padrinho, casada com um português muito
simpático de nome Sacadura. Ambos vieram mais tarde ser sogra e
sogro de meu irmão Romeu, que esposou sua filha Celeste. A Maria
Rita volta e meia pedia para a mãe: “Deixa eu ir com o Orestes
lá na tia Nica?” Às vezes ela deixava, e lá íamos os dois pelos
campos, seguindo os trilhos que levavam à sede da fazenda
daquela mulher fantástica, atirada, despachada, que a cavalo
juntava os bezerros, tocava a boiada e quando apeava era pra
fazer delícias no seu forno de barro.
Era delicioso
passar férias naquelas paragens tranquilas. Mas, de repente eu
via o gado do tio Manoel andando em fila em direção ao
mangueirão, o vento começava a soprar mais forte e a tia Lucila
já corria fechar as janelas e a nos chamar, “Venham pra dentro,
olha a chuva que vem vindo! Todos pro quarto!” Era pro quarto
que íamos todos, inclusive a tia que, na verdade, morria de medo
de temporal! E ela distraía seu medo bancando a durona e
vigiando nossos passos, nossos gestos. “Fiquem em cima da cama,
não pisem no chão que pode dar raio!” E a gente se encolhia
todo sobre aquelas camas. “Orestes, não encoste o pé na parede
que dá raio!” E até que o temporal amainasse era aquela tia tão
querida a nos guiar como um maestro regendo!
Lembro-me
como se fosse hoje aquela noite em que tio Manoel foi a cavalo
até a fazenda vizinha dos Montini e nós ficamos sozinhos com a
tia Lucila. Jantamos na cozinha como de costume. Estávamos a
Maria Rita, a Maria Ignez ainda pequenina, na cadeirinha alta de
comer, a Otília, empregada, mocinha de cabelos curtos, da maior
confiança da família e o Adão, adolescente ainda, que cuidava de
pequenos serviços como ajudante da tia Lucila. A tia não estava
presente, devia estar arrumando os quartos para a hora de
dormir. Nisto ouvem-se passos vindos lá de fora, e alguém começa
a bater na madeira da porta da cozinha e chamar, com voz de
gente brava: “Ô Mané, abra esta porta!” Chama uma, duas, três
vezes, como nenhum de nós se apresentou, a porta se abre e entra
um homem de chapéu enterrado à cabeça, de terno cáqui, e vem em
nossa direção. Eu tremia de medo no meu canto, as meninas
gritavam pela mãe, a Otília tratava de protege-las e o Adão? O
Adão costumava estufar o peito e proclamar: “Dona Lucila, a
senhora não tenha medo de ficar sozinha, eu estou aqui! Se
aparecer algum gaiato, deixa comigo! Dou-lhe dois três socos nas
fuças e espanto o dito pra longe!” Cadê o Adão? Onde foi parar
este rapaz tão valente? O malfeitor tira o chapéu, solta a
lapela do paletó que lhe escondia o rosto! Quem era o terrível
facínora? Nada mais, nada menos que a tia Lucila numa de suas
costumeiras brincadeiras. Alívio geral!
(*)Mas, cadê
o defensor da família Sene Ramos? Cadê o Adão! Tia Lucila
desvenda tal mistério: “Adão! Sai de baixo da cama! Vamos Adão!”
E ao terceiro chamado, vimos o valente cavaleiro chegar
encolhido, ar desconfiado, que olha pra nós e pergunta: “Cadê o
sujeito? Cadê ele, que eu vou quebrar a cara dele!” |