Quando a gente
atinge a idade que eu atingi, a gente começa a perceber algumas
mudanças que envolvem nosso modo de encarar a vida, as fases dessa
vida, a maneira de ver o passado, por exemplo, como atua a nossa
lembrança dos fatos, das pessoas, das experiências vividas. E uma
coisa que muitos não gostam de dizer, mas do que não se pode fugir:
a nova concepção da morte.
Quando se é criança,
nem pensar, a morte não existe; quando se é jovem, a morte é um dado
da ciência, que a gente aborda na escola, não é vivenciada, não se
manifesta na hora da reflexão; quando se é maduro, ela dá seus
primeiros sinais de vida, com a perda dos entes queridos mais
velhos, mas não incomoda ainda, deixa pra lá que é problema dos
outros. Mas quando a gente envelhece a coisa muda de figura. Lá
pelos sessenta, a morte é coisa a se camuflar através da busca de
melhora da qualidade de vida, até que se chega a um patamar em que
não dá mais para se iludir, é tempo de conscientização e consequente
aceitação.
Pois é, gente, uma
coisa tão natural e tão difícil de encarar. Espero conseguir passar
a minha visão otimista deste tema tão polêmico. Chega um tempo da
nossa vida em que tudo que nos prendia a este mundo vai-se
evanescendo, vai chegando a seu termo. Os parentes vão-se rareando,
os que sobram são de uma geração que nada tem a ver conosco; os
amigos, ah os amigos! quase todos já se foram e o terreno em que
brotaram para nós, vai virando um deserto. Nossos ídolos ou partiram
ou foram jogados no esquecimento, não se ouvem mais suas músicas,
não de veem mais seus filmes, suas novelas, não participam mais do
seu esporte preferido. Você vai devagar percebendo que as novas
gerações de sua família não incluem você nos seus programas, nos
seus interesses, nos seus hábitos. Você passa a ser aquele de que se
lembram quando a saúde e a resistência física permitem que você
apareça, viradas as costas, você vira uma tênue lembrança.
Não importa que um
dia você foi festejado quando jovem, quando profissional de sucesso,
quando um senhor posto na vida e respeitável, nada disto importa,
você tornou-se descartável, peça de museu, quando não se torna um
estorvo. É da condição humana, é o inevitável, é o que decreta a
natureza e a índole humanas. A experiência acumulada em tantos e
tantos anos, em tantas vivências, em tantos contatos com o seu
próximo, de nada lhe serve, você percebe que não lhe dão ouvidos,
não lhe prestam atenção, e se o fazem logo se nota que foi por uma
ato de complacência, uma boa ação com o velhinho, com a vozinha.
Nada a lamentar,
meus queridos leitores, nada a lamentar. O mundo não lhe pertence
mais, mudou de donos, os seus conceitos perderam validade, os seus
hábitos ficaram antiquados, seu gosto ficou “démode”, até mesmo seu
linguajar causa estranheza.
Então, não vai ser
tão penoso partir pra outra! O mundo que você vai deixar pra trás
não tem mais atrativos pra você, na verdade está cada vez mais
vazio, menos atraente, pouco se perde. Também pudera, gente: mulher
bonita, homem atraente, o velho e a velha só podem ver com os olhos
e lamber com a testa; comer uma bela feijoada, regada à cerveja,
seguida de uma deliciosa sobremesa, a diabete proíbe. Dançar a noite
inteira, pular carnaval, os ossos reclamam.
O negócio é
enfrentar a realidade, conscientizar-se de que a gente é mortal,
embora tenhamos passado a vida pensando que não.
Pensa bem, você aí,
já entrado em anos, talvez já velho como eu: o que é que a gente tem
a perder se a “foiçuda” nos pegar na curva? |