Na
minha mais tenra Itápolis uma das atrações mais atuantes nas
cabeças das crianças eram os filmes de terror, mesmo que não fossem
histórias de almas de outro mundo, bastava que tivessem monstros,
bichos horripilantes, perigos constantes, que a criançada dava tudo
pra ver. E era um desespero conseguir realizar esta fantasia, pois
este tipo de filme só passavam à noite, o que era uma barreira para
a meninada; se os pais não fossem ao cinema também não deixavam que
os filhos menores fossem.
O jeito era ir
escondido, sem os pais saberem. Mas como fazer isto? Naqueles tempos
a criançada não gozava desta liberdade que os pais de hoje dão. Se
mesmo os filhos maiores de idade tinham que obter permissão dos pais
para voltar um pouco mais tarde que de costume! O truque era não
demonstrar interesse pelo filme de terror em cartaz. Se alguém em
casa perguntasse: “Você viu, vai passar um filme com o Bela Lugosi?”
Mesmo sabendo que o artista era um dos mais terrificantes
protagonistas de terror, a gente fingia indiferença: “É mesmo? Não
deve ser dos bons!” ou “Ah! Eu não gosto de filme de terror!”
|
|
|
Frankestein |
Fantasma da
Ópera |
Conde Drácula |
Na noite da
estreia, a gente pedia para algum adulto ir comprar o ingresso, isto
pra não ser visto por ninguém que pudesse ir “buzinar lá em casa”.
Pegava o ingresso e entrava rapidinho, tratava logo de subir para a
varanda, onde quase ninguém ia, sentava meio que deitado até começar
o filme. Logo dava pra ver uma porção de cabecinhas tentando se
esconder. E acabava o Jornal, acabavam os “trailers”, uiiii, vai
começar! Podia ser “O médico e o monstro”, “Jack, o estripador”, “O
Vampiro de Rotterdam”, “King Kong”, que a reação era a mesma, o medo
antecipado! A gente via o filme com as mãos preparadas, em posição
para tapar os olhos. O medo fazia a gente perder a metade do filme,
mas a gente não ia embora.
Assim a gente viu
o Frankestein, o Drácula, o Fantasma da Ópera; devagar a gente
foi-se familiarizando com o Lon Chaney, com o Bóris Karloff, com os
mais famosos dos criadores do susto, do pavor, da tremedeira. E a
gente não podia andar no escuro que logo imaginava o Lobisomem
correndo pra nos pegar. Não sei se ele se lembra disto: o Geraldo
Gentile, o filho do Sêo Chico e da Dona Esaltina, teve uma fase, lá
pelos seus quinze anos, em que ele andava depressa pra chegar em
casa à noite, cada vez apressava mais o passo nos últimos
quarteirões da Padre Tarallo, e quando ia chegando perto de casa, já
vinha correndo, subia a escada num átimo e metia o peito na porta!
“Ah que alívio, ainda não foi desta vez!” Lembra-se disto, velho
amigo?
Eu não posso me
gabar também. Pois olha só o que me aconteceu. Certa vez o Polachini
trouxe um sucesso estrondoso do terror e o Cine Theatro Central
lotou, para ver “O Monstro de Paris”. E lá estava eu na varanda do
cinema, sem o Sêo Vicente saber. E estava morrendo de pavor de ver
aquele homem de terno preto caminhando nas calçadas escuras e,
quando via aproximar-se uma mulher, virava um imenso gato preto,
saltava sobre a primeira árvore frondosa e esperava, esperava, os
passos da mulher iam ficando mais sonoros e quando chegava em baixo
da árvore aquele terrível miado e o salto sobre a vítima, certeiro
na garganta! Esta hora eu já estava quase no chão, de tanto
escorregar na poltrona.
O filme acabou,
acenderam-se as luzes, todo mundo saindo com cara de assustado,
tomei o rumo de minha casa lá nos baixos da Francisco Porto, sem
olhar pra trás, cada vez mais apressado. E quando empurro o portão
de ferro para abrir, o gato preto da Dona Filomena, que dormia no
topo, soltou um miado assustador e pulou pra cima de mim. Não sei em
quantos minutos voltei para a frente do cinema e até hoje não sei
que hora e como cheguei em casa aquela noite. |