Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

“Nossas Universidades têm origem Centenária”

Depois dos dois primeiros artigos que escrevi para essa coluna, recebi expressivo número de mensagens e telefonemas de leitores interessados em ter uma ampla visão da Universidade brasileira desde os primórdios de sua fundação. Eu vou tentar dar conta da Universidade em nosso Estado de São Paulo, partindo de minha experiência como uspiano, como professor de uma Faculdade que revolucionou o ensino superior nos anos 50-60 e das informações colhidas de colegas que cursaram e trabalharam em  outras Universidades.

Uma grande oportunidade que tivemos, na nossa Faculdade, que vou simplificar chamando de Filosofia, era a sua vizinhança com o Campus da Universidade Mackenzie, cujo território ficava atrás dos muros da calçada da frente de nossa escola, na Rua Maria Antônia. Havia na época, um interessante intercâmbio entre as duas escolas. Tínhamos professores assistentes na Filosofia que eram titulares de Cátedras do Mackenzie e muitos de nossos professores prestavam também serviços do outro lado do muro.

A Universidade Mackenzie, chamada de “o Mackenzie”, tinha uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.  com um quadro de disciplinas bem menor que o currículo  da sua congênere da  USP, com ênfase nos Cursos de Humanas, como Letras, Pedagogia, Psicologia e Biologia. O Mackenzie oferecia também uma Faculdade de Engenharia, bem concorrido e de razoável prestígio; sua Faculdade de Direito, naquele início da segunda metade do Século XX, não gozava de grande conceito, por isso suas vagas eram menos disputadas.

A outra Universidade de então, era a PUC, Pontifícia Universidade Católica, que tem sua origem no Curso Superior de Philosophia criado pelos Mestres do Mosteiro de São Bento em 1908, mais tarde ampliado para Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em 1936, enfim em 1946 se cria a PUC, reunindo com a Filosofia, seu curso de Direito.

Partindo de outra iniciativa de uma instituição católica, se desenvolvia uma unidade de ensino superior,  que teve início em 1933, mantida pela Ordem das Cônegas de Santo Agostinho, que foi a que obteve o primeiro reconhecimento oficial de uma Faculdade do gênero no país; trata-se  da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Sedes Sapientiae”, que nos anos 50 funcionava numa quadra enorme do bairro da Consolação, entre as Ruas Augusta e Caio Prado, com entrada pela Rua Marquês de Paranaguá. Anexo a elas funcionava sua entidade mantenedora, o Colégio Des Oiseaux (Pássaros), destinado exclusivamente a meninas.

É preciso esclarecer que a Faculdade Sedes Sapientiae também era destinada somente para moças. Os rapazes, naquela época, já frequentavam as instalações da Rua Monte Alegre, nas Perdizes, onde a sede da PUC encontra-se até  hoje. Junto dessa iniciativa dos religiosos criou-se também a Universidade de Campinas, conhecida como PUC de Campinas, que em 1956 ganhou definitivamente status de Universidade. Com ela se fecha o quadro das Universidades paulistas. Tínhamos naquela época, isoladamente, uma Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras, na cidade de Lorena, no Vale do Paraíba, hoje ampliada e modernizada, na qual se permitia matrícula exclusivamente a estudantes do sexo masculino.

Na época em que cursei a Faculdade de Filosofia da USP (1952-1955), se podemos estabelecer um rank das Universidades pelo conceito de que desfrutavam, teríamos em primeiro lugar a USP, englobando as Faculdades de Farmácia e Odontologia de Araraquara e a de Medicina de Ribeirão Preto; em seguida vinha a PUC de São Paulo, depois vinha a PUC de Campinas e finalmente a Universidade Mackenzie. Nessa época ainda não tinham sido criadas as Faculdades que iriam formar a Universidade Estadual Paulista (Unesp), nem a Unicamp.

A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, unidade núcleo de toda Universidade, podia oferecer os cursos de Pedagogia, Ciências Sociais, Psicologia, Biologia, História Natural, Química, Física, Matemática, Geografia, História, Didática Geral,  Didática Especial, Letras Clássicas, Letras Anglo-germânicas e Letras Neolatinas. Nos primórdios dos anos 60, por iniciativa dos professores da Faculdade de Filosofia de São José do Rio Preto, foram anexados ao antigo currículo de Letras as disciplinas de Linguística, Filologia, Teoria Literária, comuns aos três cursos de Letras. Por iniciativa dos professores da Filosofia de Araraquara, criou-se a disciplina de Cultura Brasileira e pelos professores da Filosofia de Rio Claro, fundou-se o Curso de Geologia.

Na época que estou focalizando aqui, não havia essa corrida enorme de candidatos às provas do Vestibular, o que explicava o lento crescimento das ofertas de vagas. A quantidade de vagas em disputa girava em torno de 60 a 90, conforme o curso. Isto não significa que os candidatos fossem encontrar facilidade para seu ingresso. Era muito comum que de uma oferta de 60 vagas, somente 20 ou 30 candidatos conseguissem sucesso. Por isso as faculdades ofereciam uma segunda oportunidade, os vestibulares de fevereiro.

Havia um grupo expressivo e fortemente atuante de universitários, do qual eu fazia parte, que lutava pela ampliação das vagas, pela criação de Faculdades nas cidades centro de regiões do estado, de ampliação do leque de opções de cursos que visariam à formação de profissionais de novas áreas de atividades. O estudante universitário da década de 50, paralelamente ao empenho escolar, voltava-se com denodo à luta pela reforma da Universidade brasileira, pela eliminação de seu ranço academicista, levando-a a formar profissionais especializados e competitivos.