Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A sôfrega e frágil Srta. Democracia Brasileira - final"

As contradições e deficiências do arcabouço institucional brasileiro, nos períodos em que temos vivido sobregime democrático, são as principais causas da sofreguidão e da fragilidade de nossa democracia. Atente para o seguinte:
1º - O nosso presidencialismo é absorvente, centralizador, imperativo, concentrador de quase a totalidade dos recursos obtidos com a arrecadação oriunda de um dos sistemas tributários mais cruéis, injustos e imorais da História. É do Palácio do Planalto que saem as indicações dos ministros de nossa “suprema” Corte, o STF. O resultado todos estão vendo: as decisões de um grupo de ministros parcialmente independentes, mas majoritário, condenando os acusados de práticas criminosas contra o Tesouro, o chamado “Mensalão”, estão sendo anuladas, dispensando um a um dos condenados, do estrito cumprimento da pena; bastou a aposentadoria de alguns independentes e a nomeação de mais ministros engajados às hostes governamentais. 

Os atos do Executivo se praticam sem a mínima preocupação com a transparência, sem nenhum critério de imparcialidade, tanto política quanto regional, sem nenhuma prestação de contas à população e aos contribuintes; de uns anos para cá nem mesmo o ato ético de se afastar do cargo durante a campanha à reeleição, se pratica mais. Se nos reportarmos ao regime monarquista, vamos encontrar inúmeros pontos comuns entre os poderes dos reis e imperadores e os poderes do presidente da República.

2º - O alicerce constitucional que consagra a independência entre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) é galhardamente desprezado, é cinicamente desrespeitado: nossos deputados e senadores são tutelados e chantageados pelo Poder Executivo, que libera, quanto e quando quer, as verbas contidas no Orçamento da União e tem o poder de manobra sobre suas decisões, interfere em tudo que eles fazem, liquidando assim sua independência constitucional. Os membros do Legislativo podem e deveriam reagir e impor-se como instituição, mas se acomodam diante dos tentadores tentáculos do suborno e demais benesses que lhes são oferecidos.

O nosso combalido Poder Judiciário sofre de duas draconianas tutelas: o Executivo tem nas mãos a composição do Supremo Tribunal Federal (STF) e usa este poder sem o mínimo escrúpulo. Houvesse obediência à ética e à honestidade de propósitos, os presidentes que já ocuparam o Planalto teriam abolido esta promiscuidade institucional, não o fizeram e não o fazem porque se beneficiam dela.

A outra tutela que recai sobre o Poder Judiciário é que as leis que eles aplicam, sejam elas boas ou más, justas ou injustas, não são eles, especialistas no assunto, que as instituem, é o Poder Legislativo, sãoos deputados e senadores que as propõem e aprovam, o que lhes dá o poder de criar leis que os beneficiam de forma imoral como as famigeradas verbas  (de gabinete, de moradia, de combustível, de passagens aéreas, disto e daquilo) e não se esqueçam que entre eles, eleitores paulistas colocaram o Tiririca.

Na verdade, numa verdadeira  democracia, aos parlamentares congressistas caberia apenas fiscalizar os atos dos outros dois poderes (o executivo e o judiciário) e como representantes do povo, exercer o poder da  sanção e do  veto aos seus atos. Assim sendo poder-se-ia unificar o Congresso mantendo uma só Casa, a dos deputados, eliminando-se esse apêndice de poder tão inútil como nosso órgão supurável.

O povo brasileiro teve, há 21 anos atrás, a oportunidade de dar um significativo passo adiante no nosso regime de governo, quando do Plebiscito de 1993, que dava aos eleitores o poder de escolher qual regime queria para ser governado, o presidencialismo, o parlamentarismo, a monarquia.

O povo votou de forma categórica pelo presidencialismo e tivemos muitos votos pela volta da monarquia, devolvendo o Poder à família real dos Orleans e Bragança. O parlamentarismo era, na opinião das classes mais esclarecidas e independentes, a melhor opção, pois é um regime que dá ao povo o direito de forçar a destituição do Primeiro Ministro, assim levando o Presidente a nomear um novo chefe que organizará o novo governo.

No parlamentarismo temos duas autoridades fundamentais, o Presidente, que é o Chefe do Estado e o 1º Ministro, que é o Chefe do Governo, podendo, conforme decisão nas urnas, ser o presidente e o primeiro ministro escolhidos pelo voto popular ou apenas o presidente, cabendo a este a escolha do 1º Ministro.

Como vemos, não temos muita força moral para julgar os nossos governantes, pois eles são o resultado da preferência popular. E, convenhamos, o povo deste país não é afeito a pensar em termos de governo, em termos de política. Nosso povo prefere que alguém pense e decida por ele, tanto que a maioria detesta conversar sobre política e acha que quem discute assuntos dessa natureza são uns chatos e importunos.  E outra coisa: os brasileiros e aí eu não me incluo, ainda têm saudades da Corte Real, do Rei e da Rainha, dos príncipes e princesas, dos barões e baronesas, dos duques e duquesas, dos marqueses e das marquesas e se deliciaria em tornar-se seus lacaios.

Por isso temos a Rainha dos Estudantes, os Reis do Gado, do Café, da Soja, do Futebol, ídolos das comunidades, dos carnavalescos, das hostes populares. Doutra forma, como se explica esta verdadeira obsessão por saber quando vai nascer o filho da futura rainha da Inglaterra? Assim sendo, pergunto solenemente, o que fazer?