Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A sôfrega e frágil Srta. Democracia Brasileira II"

 
 
 

Itápolis viveu intensamente a fase da retomada do regime democrático, instaurada com a queda da ditadura Vargas, em 1945. Minha geração vivia seu período de puberdade, aquela idade que vai dos onze aos treze anos, segundo consta nos compêndios de psicologia.

A cidade toda se vestiu de alegre civismo, alguns, já vividos, vendo renascer a prática do voto, a vida partidária, a agitação eleitoral. Os mais jovens, adolescentes e crianças passaram a ouvir inusitados termos do linguajar político: partido, coligação, câmara municipal, vereador, sufrágio (voto), urna, eleitor, correligionário, apuração, assembleia legislativa, câmara federal, congresso, deputado, senador e mais uma porção de vocábulos que nos incorporavam à nova era que o país passou a viver.

 

Getúlio Dorneles Vargas, fundador do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro)

Logo, a cidade ficou inteirada de que teríamos a primeira eleição depois de quinze anos. O Rio de Janeiro, nossa capital federal, virou alvo de todas as atenções, pois lá  se dava a ebulição  da criação dos partidos políticos, das  composições que montariam as chapas dos candidatos. Tudo era novidade para nós. Os partidos e seus candidatos criaram símbolos, distintivos, bandeiras, hinos, marchinhas. O serviço de alto-falantes, os jornais, tudo respirava política. Logo se anunciaram os nomes dos novos partidos: PSD (Partido Social Democrático) que reunia os chamados progressistas, simpatizantes de Getúlio Vargas; UDN (União Democrática Nacional) que reunia grupos conservadores, principalmente agropecuaristas, contavam com o apoio dos militares; PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), fundado por Getúlio Vargas, ele mesmo, que acabara de ser derrubado do poder por um movimento militar. Estes eram os três partidos principais da nova fase.

Adhemar de Barros, fundador do PSP - Partido Social Progressista

Em Itápolis, a grande maioria dos homens públicos se filiou ao PSD, tendo como líder regional desta agremiação o Dr. Valentim Gentil; a UDN tinha participantes menos expressivos e em número bem menor. Isto não significava predomínio total quase unânime dos “pessedistas”; muita gente ficou fora de partidos, principalmente os simpatizantes do ex-interventor (governador nomeado) Adhemar de Barros. Quando Adhemar fundou, em meados de 1946, o PSP (Partido Social Progressista), o quadro político do município de Itápolis se definiu, com dois grupos expressivos de militantes políticos: os “pessedistas”, apoiados pelo PTB e os “pessepistas”, vez por outra apoiados pelos “udenistas”.

Presidente JÂnio Quadros - UDN

Vice Presidente João Goulart (Jango) (PTB-PSD)

Naqueles anos iniciais da redemocratização pós-Getúlio, os partidos tinham parcos recursos financeiros, se comparados com os de hoje; para atrair correligionários promoviam festas, churrascadas, mesmo no dia da eleição, pois este tipo de chamariz era legal, assim como a oferta de transporte gratuito aos eleitores.

Ano: 1952 Comício de Dr. Lyra

Local: em frente À Farmácia Glória (hoje Banco Itau-Unibanco)

     1-Dr. Eduardo Amaral Lyra (médico), 2-Dr. Rubens Negrão (advogado), 3-Tarquinio Bellentani, 4-José Trevisan, 5-Ricieri Antonio Vessoni

 

Os postulantes a cargos executivos, prefeitos, governadores e presidente, assim como seus vices, eram eleitos separadamente, podendo o vice pertencer a partido diferente do partido do candidato principal, até mesmo membro da oposição. Um exemplo que ficou na História foi a eleição do Presidente Jânio Quadros (UDN) que teve como Vice-Presidente, João Goulart (PTB-PSD).

Os recursos tecnológicos eram precários, a campanha era mais à base do grito, do corpo-a-corpo e do frente a frente, com comícios em praças públicas, no centro da cidade, nos bairros e nos distritos e vilarejos.  A exposição dos candidatos era total, franca e transparente. Os candidatos faziam discursos autênticos, reais, sem propaganda filmada e sem essa excrecência que é o abominável marqueteiro. O palanque era frequentado por cidadãos de todas as classes sociais, a participação do eleitor era espontânea e direta.

A democracia era ainda um regime inocente, ingênuo, mas era mais ético e a corrupção não era tema principal das discussões, contavam-se nos dedos da mão os suspeitos de atos condenáveis em todo o país.