Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"... a menina dos olhos de Itápolis"

Antiga festa de São José, padroeiro do Bairro do Monjolinho

A minha mais tenra Itápolis, na sua área urbana, só tinha um parte da cidade que se podia considerar um bairro: a Vila Nova. Já, na sua área rural, eram vários os bairros, alguns deles com o status de distritos. Indo pela estrada de Itajobi, cuja saída era pela Av. Campos Salles, você podia chegar à vila do Monjolinho, pertencente ao distrito de Tapinas, uma espécie de “patrimônio”, com sua igreja, rodeada de casas, dois armazéns, uma oficina de ferreiro, algumas pessoas conhecidas na cidade, destacando-se a família do Sr. Alberico Bellanda. Era uma vilinha simpática, acolhedora, que mandava seus jovens completar os estudos na nossa Itápolis. Alguns traziam consigo suas famílias, como foi o caso da Dona Maria e do Sr. Vitório Santarelli e da família Romanini.

Corporação Musical Carlos Gomes, fundada no Bairro do Quadro pelo Prof. Leônidas Antônio de Siqueira. A Corporação foi extinta em 1933, algum tempo depois do falecimento de seu fundador.

Pela estrada que levava a Araraquara, uma vila tranquila e com população bem maior era o Quadro, povoado ligado à lavoura. O Quadro  tinha como membros destacados as famílias D’Auria e Butarello. Além de suas propriedades rurais os quadrenses desenvolviam atividades urbanas, como beneficiamento de arroz e moinhos de fubá. O vinho de laranja do Butarello era muito apreciado na cidade e se via nas prateleiras de toda a nossa região. Meu cunhado Jacintho exerceu por um tempo a função de administrador da fazenda Caetê, ali pertinho, o que me levou várias vezes a ir passar alguns domingos na casa da minha irmã Zizinha e dar um pulinho até o Quadro.

Coronel Francisco Nogueira Porto, um dos grandes políticos de Nova América

A estrada de Taquaritinga era mais rica em povoados. Por ela a gente ia ao bairro das Antas, do São João e à Nova América, primeiro distrito de Itápolis, criado em 1910. Naquele tempo era a vila mais desenvolvida do município, com sua igreja sempre bem arrumadinha e enfeitada, suas ruas limpinhas e sua pracinha ajardinada. Ali pontificavam os Porto, família tradicional também em Itápolis, cujas propriedades rurais se situavam nas redondezas de Nova América. Desde os tempos das jardineiras tinha-se como viajar dali para Itápolis ou

Uma das jardineiras da Família Gonçalves

para Taquaritinga; no meu tempo a família do Chico Gonçalves cuidava disto com sua frota. Pela mesma estrada se chegava ao bairro do São João, às Antas, lugares frequentados pelos candidatos a postos municipais, em épocas de eleições.

As campanhas políticas ultrapassavam os limites da sede e os comícios se espalhavam pelos povoados. Não precisava ser vila ou distrito, bastava reunir bom número de eleitores. As estradas do Leiteiro, onde havia uma escola isolada, na qual muitas normalistas recém formadas deram início às suas carreiras de professoras, também na estradinha que levava para as bandas da Capoeirinha, dos Cavicchiolli ou então pelos lados da Roseirinha, dos Fortuna, ganhavam intenso movimento de carros, peruas, camionetes, em busca do cobiçado voto. Naquele tempo, período de democracia encravado entre a recém derrubada da ditadura Vargas (1945) e o golpe militar de 1964, as regras eleitorais eram bem mais liberais que as de agora. Podiam-se dar churrascadas aos eleitores, tanto em dia de comício, como em dia de votação. Era permitido transportar de graça os eleitores do meio rural, assim como os que moravam na periferia das cidades. Por esta razão, as eleições ganhavam ares de festa, de competição esportiva.

Naquele tempo não havia marqueteiros para maquiar a imagem dos candidatos. Era tudo ao vivo, em cima do palanque ou da carroceria de um caminhão, na praça ou mesmo num canto de rua. E essa movimentação toda brotava na cidade e se espalhava pelos campos, pelas vilas, pelos povoados. Eram outros tempos, ninguém se aproveitava desta liberalidade para comprar votos, todos os interessados nas eleições dispunham dos mesmos direitos.

Pela estrada que ligava Itápolis à região de Santa Adélia, uma vila despontava como a que seria a mais importante do município, sobretudo no aspecto político.

Capela do Senhor Bom Jesus, padroeiro de Tapinas que foi demolida há algum tempo atrás; no local está sendo construída uma nova igreja

Tornada distrito em 1927, Tapinas mostrava vocação para crescer. De um amontoado de casas no primeiro quarto do século XX, nos anos 40 já assumia ares urbanos, com seus quarteirões bem delineados, sua população aumentada e seu comércio mais desenvolvido e diversificado. Só para ilustrar seu desenvolvimento, lá duas empresas de ônibus circulavam pela estradinha cheia de curvas, subidas e descidas que levavam e traziam passageiros entre a sede do município e seu distrito. Os irmãos Guidorzi e os Astolphi faziam, cada um deles, duas corridas diárias entre a vila e a cidade. Tapinas se fazia presente, tanto quanto Nova América, na administração do município, mandando seus representantes distritais para a Câmara Municipal. João Nery, que hoje é nome de rua na sua vila, era o vereador de Tapinas, naquele tempo. Apaixonado pela sua terra, nunca alimentou o desejo de se mudar para a sede. Enchia o peito para pronunciar o nome de sua vila, tanto assim que, num comício político do fim da década de 40, eu pude testemunhar um de seus discursos inflamados, quando do palanque ele exclamou seu velho bordão político: “Tapinas, a menina dos olhos de Itápolis! O que seria do Brasil, se não fosse Tapinas?!”

Viram que orgulho tinha aquele homem de seu rincão? Muitas famílias que formavam a sociedade itapolitana tinham vindo de Tapinas. A ligação entre as duas, Itápolis e Tapinas, era bem mais que administrativa, era político-sentimental. Sentia-se claramente um carinho maior da sede por aquele seu distrito. A consolidação deste sentimento se fez, já nos anos 50, com a ascensão de um dos mais valorosos filhos de Tapinas ao centro administrativo de nossa cidade, o cidadão ilustre, de grande envergadura, que propiciou à nossa terra uma das melhores gestões administrativa de sua história: Tarquínio Bellentani, meu próximo focalizado.