Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Os Montera, uma bela história"

Michele (Miguel) e Philomena Sconza Montera

Foto recente de um povoado da Calábria

O chefe, o patriarca, veio da comuna de Malita, vilarejo de pouco mais de oitocentos habitantes, província de Cosenza, região sulina da Calábria. O Sr. Michele (pronuncie Mi ke Le) Montera era filho de Dona Michelina (Mi ke li na) Gagliardi (pronuncie Ga lhar di) e do Sr. Antonio Montera, gente de boas posses, que tinha várias propriedades naquela região.

Enquanto moravam na Itália, Michele tinha apena um irmão, de nome Pedro. Quando Michele atingiu os 18 anos de idade, estourou a 1ª Guerra Mundial e ele foi convocado para lutar no front, onde conheceu os horrores da guerra, lutou bravamente sendo até condecorado.

Terminada a 1ª Guerra, em 1919, o Sr. Antonio vendeu quase tudo que possuía e veio com a família para o Brasil. Quando chegou a Itápolis, comprou uma chácara pelos lados da Capoeirinha, onde montou uma olaria para a fabricação de tijolos, ali instalando seu monjolo e vários equipamentos.

Já em Itápolis, a família do Sr. Montera aumentou e os irmãos Michele e Pedro viram nascer as suas irmãs e seus irmãos. Como deixaram algumas propriedades na Calábria, o Sr. Antonio decidiu que Michele devia retornar à Itália para retomar a posse dos imóveis e arrumar uma esposa italiana. É sempre bom lembrar que, no início da instalação dos imigrantes entre nós, havia uma clara discriminação que turvava as relações entre as famílias de oriundi e as famílias nativas.

Michele conheceu uma moça por quem se apaixonou, escreveu aos pais contando quem e como era sua paixão, recebeu carta de volta desaprovando o casamento. Obediente, Michele foi em busca de outra que pudesse ser sua esposa. Conheceu Philomena Sconza e seus dois irmãos, trocou cartas com seus pais, recebeu o sim deles e se casou, fixando moradia numa de suas propriedades. Ali, Michele e Philomena começaram a formar sua grande família, tendo os italianinhos  Antonio, Michelina, Francesco e Maria.

Michele (Miguel) Montera com sua esposa Philomena, filhos, genros, noras e netos

Passados alguns anos, a nova família Montera deixou a Itália e veio fazer a vida no Brasil, na Itápolis dos anos 20/30, instalando-se na fazenda Queimada, onde o Michele montou sua olaria e passou a viver da fabricação e venda de tijolos e onde foram nascendo mais sete filhos que se juntaram aos quatro irmãos vindos da Calábria, pois  passado algum tempo, o Sr.  Michele Montera resolveu comprar um bom terreno na Rua José Rossi e ali construiu sua primeira casa na cidade, um prédio que existe até  hoje, com os  nºs 978 e 994, com área comercial e área residencial e ali nasceram seis dos filhos brasileiros; o último filho nasceu em outra casa grande e também com área comercial, que ele construiu na mesma rua, na esquina da mesma quadra. A prole de onze ficou completa já que Michele e Philomena tiveram a Anna, o Natal, a Hermínia, o José, o Luiz, o Mário e a Teresinha.

A família Montera gostou mesmo daquele pedaço da cidade, tanto que desmembraram  a antiga casa do meio do quarteirão, para que nelas morassem a Maria e o Francisco, com suas respectivas famílias. A outra casa, de número 978 foi alugada por um tempo, até que José se casasse com Dona Neusa Ferraresi e nela fizessem sua residência.

Nos meus tempos de infância e de juventude tive a alegria de conhecer a Anna, a Maria, a Teresinha, o Natal, o Francisco, o José. Era na escola e na Igreja Matriz que aconteciam nossos encontros e nossas demonstrações de amizade.

Como minha nona, Beatrice, era nascida na mesma região de Cosenza, quando nos levava à reza, aos ritos do Mês de Maria, que me fez adorar o mês de maio, sempre procurava encontrar seus paesani (patrícios) e aí é que a gente conversava só entre nós, crianças, pois as conversas entre os adultos era impossível entender, já que falavam em calabrês, que não é um dialeto do italiano, o calabrês é uma língua independente, com sua estrutura e vocabulário próprios. O calabrês faz parte do grupo linguístico classificado como línguas neolatinas.

Dos onze filhos do Sr. Michele, que com o passar do tempo passou a ser chamado de Miguel, dois faleceram ainda muito crianças, quatro mudaram-se para viver em São Paulo e um deles, o Antonio foi estudar medicina no Rio de Janeiro, onde formou-se, casou-se e passou a clinicar.

Dos onze filhos, seis estão vivos, a Hermínia vive em São Paulo, o Natal que é dentista, vive em Rio Claro e quatro conservam sua vida em Itápolis, o José, o Luís, a Maria e o Francisco, que nasceu Francesco. Como podem ver, trata-se de uma família que cravou seus laços em nossa cidade, trocando com ela uma grande empatia, muito carinho e devoção.

O que me impressionou na bela história dessa família foi saber que Michele Montera, já conhecido como Sr. Miguel, embora cidadão enraizado em Itápolis, terra que escolheu para crescer como ser humano e como chefe de família, nunca esqueceu sua terra natal, conservou até à morte as nítidas lembranças de sua Malita e da  participação que teve na 1ª Guerra Mundial. Prova dessa nostalgia eram seus olhos marejados de lágrimas cada vez que falava das belezas de seu paese natale ou  das tragédias que  experimentou ao defendê-lo.