Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Os Ferraresi e sua contagiante alegria"

Miguel Montera com sua esposa Filomena, filhos, genros, noras e netos

Quando do lançamento do livro “Histórias que não foram escritas”, em julho de 2013, fomos fazer uma visita de agradecimento à Professora Neusa Terezinha Ferraresi Montera, que colaborou gratuitamente com a revisão de meus textos. Além do desejo de conhecê-la, fui movido também pelo interesse de entrar em contato com uma pessoa que carrega os sobrenomes de duas famílias que pertencem à constelação familiar da velha Itápolis, os Ferraresi e os Montera.

Foi um encontro muito agradável, tanto pela maneira fidalga como Dirce Mara e eu fomos recebidos, mas também pelo fato de Dona Neusa ser casada com um antigo conhecido meu, o José Montera, então presente, o que propiciou um gostoso bate-papo, cheio de boas lembranças. Com o casamento desses dois deu-se a união de duas famílias de origem italiana que se instalaram em nossa terra no final dos século XIX, os Ferraresi e na década de 1920, os Montera.

Histórico da Família Ferrarezze

Os Ferraresi, que conheci já nos tempos de menino, moravam numa bela casa de arcos, na esquina da Av. XV de Novembro com a Av. 7 de Setembro, separada do nosso Grupo Escolar apenas pela Igreja Presbiteriana. A casa era muito grande, por isso era dividida em três partes independentes, que eram ocupadas por mais duas famílias, os Ferraresi na parte que dava a frente para a Praça do nosso Jardim e com entradas pela XV de Novembro; tínhamos as casas de Dona Irma Baveloni, esposa do popular Tunga e a dos Hernandes,  família a que pertencia outro itapolitano muito conhecido, o Macau.

O chefe dos Ferraresi era o Sr. Luigi, casado com Dona Philomena Fava, da região de Carvagere, província de Venezia, situada no nordeste da Itália, de onde partiram em busca de vida nova no Brasil, estabelecendo-se inicialmente no vilarejo de São Lourenço do Turvo.

Ali o Sr. Luigi empregou o dinheiro obtido com a venda de suas propriedades da Itália, montando um armazém de secos e molhados, como eram chamados os grandes armazéns que comercializavam alimentos e utensílios.

Stéfano, seu filho nascido na Itália, em 24 de março de 1880, sendo o mais velho, foi encarregado de tocar o armazém. O novo comerciante que chegou aqui solteiro, logo conheceu a jovem Angelina, filha do também imigrante italiano, Sr. Provido (Próvido) Prandi e da Sra. Itália Lotti (na nossa velha Itápolis, era muito comum as filhas de italianos ostentarem este nome).

Os jovens apaixonados não demoraram para se casar, tiveram seus primeiros filhos lá no Turvo, mudaram-se para Itápolis, onde tiveram os outros filhos que, no total eram onze, sete figli maschi e quatro ragazze.

O membro dessa família que eu conheci de perto foi o Emílio, de uma geração mais velha que a minha, mas pela bela voz que tinha, andou participando de nossas serestas. Eu sei que o Emílio tinha um punhado de irmãos, deixa eu ver: o Armando, a Iracema, o Alberto, o Luís, o Waldomiro, a Vanda, a Guiomar, o Sidney, o Monclair (Monclér) e a Lenita.

Desses, apenas o Luís e a Guiomar ficaram solteiros. Nem todos estudaram, aqueles que só fizeram o curso primário ficaram em Itápolis e ajudaram os pais na lida do campo. O Sr. Stefano tinha dois sítios perto de Itápoilis, o São Pedro Velho e o São Pedro Novo, como tinham o hábito de chamar suas propriedades, nas quais criavam e comercializavam gado leiteiro e de corte, aves, porcos, cabritos, cavalos, criação essa, favorecida pelas grandes pastagens que possuíam. Os filhos que resolveram estudar, mudaram-se de Itápolis em busca de cursos mais avançados.

O Emílio eu sei que seguiu o grande impulso que levou vários itapolitanos a se aventurar numa região recém aberta à colonização que era o Norte do vizinho Estado do Paraná. Muitos itapolitanos deixaram nossa cidade em busca do que parecia ser um novo Eldorado. Famílias inteiras, firmas, oficinas, um êxodo que chegou a assustar os que permaneceram na cidade.

E a família Ferraresi também cedeu alguns de seus filhos. Emílio foi um deles. Lá ele tornou-se um grande empreendedor, participando da criação e do desenvolvimento de novas cidades na região onde iria surgir a grande cidade de Maringá.

A família Ferraresi era unida, harmônica e muito alegre. O Luís, que acabou se formando advogado e foi atuar no Rio de Janeiro, na época capital do Brasil, infalivelmente, em todas as épocas de festas do fim de ano, vinha para Itápolis e comandava a alegria do Reveillon de toda a família, promovendo o grande encontro anual dos seus mais de cinquenta membros. Foi brilhante como advogado, fez carreira na magistratura e, na época em que se deu a separação dos dois estados, o do Rio de Janeiro e o da Guanabara, Luís foi desembargador do novo Estado.

O Sr. Stefano, além dos dois sítios de nome São Pedro, comprou também, dos Destro, uma chácara que ficava à margem dos trilhos da Estrada de Ferro Douradense, de onde se podia ver a passagem da famosa Maria Fumaça. A casa da praça, tão cheia de passagens alegres, foi vendida e lá ficaram as lembranças, a sonoridade das cançonetas italianas, a ruidosa alegria dos reveillons, porque a família mudou-se para uma casa localizada na Avenida Florêncio Terra, que existe até hoje. Com sua morte e de sua esposa Angelina, os bens foram distribuídos de forma amigável e tranquila entre todos os filhos.

Como a maioria levava sua vida longe de Itápolis, os irmãos de fora decidiram vender suas partes para os remanescentes, Waldomiro, Vanda e Guiomar. Com o passar do tempo, seguindo os ritos da natureza, a família foi se perdendo, se mesclando, deixando muita saudade daquela gente tão amável. As luzes das arcadas da varanda alegre se apagaram e o que sobrou foi sua bela história.