Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"O que nossa memória é capaz de guardar"

Eu frequento a página do Facebook com um intuito básico, redescobrir amigos,  pessoas que há muito tempo não vejo e às vezes nem ouço falarem delas. É emocionante, às vezes comovente, encontrar a foto de alguém que há anos você não via, não sabia seu paradeiro nem se está vivo ou se já morreu. Eu guardo muitas lembranças de minha infância, desde a mais tenra até os anos de adolescência, acho que isso é um dom que Deus me deu.

Lembro-me de cenas e fatos que aconteceram quando ainda mal começava a andar. Quando vejo um cachorrinho preto, peludinho, vêm-me imediatamente à mente a imagem da nossa sala, eu sentado no chão de assoalho em madeira pura e a aproximação do Negrinho, nosso cachorrinho, que foi chegando, se aproximando cada vez mais e “nhac", deu uma mordida no meu “pingolim”; aquilo doeu demais, gritei a todo pulmão, minha mãe chegou correndo para me acudir; é quando a cena se apaga e não me lembro do resto.

Muitas outras cenas me vêm à mente, com nitidez fotográfica. Lembro-me do cenário, das pessoas presentes, de seus movimentos, as fisionomias se projetam diante dos meus olhos com uma clareza que me impressiona. Eu estou falando em dom de Deus, mas posso estar falando de uma coisa que acontece com todo mundo.

Antônio Aparecido Garcia

Ontem à noite, eu vi a foto de um cidadão itapolitano, que saiu da cidade dezessete anos de idade, realizou-se como mecânico especializado, conheceu tudo sobre montagem de automóveis, aposentou-se e agora volta a viver na terra natal. Eu falo de Antônio Aparecido Garcia, cuja foto apareceu numa postagem de Adenir Fabiano, do Arquivo Itápolis, esta página maravilhosa que resgata a história de nossa cidade; a foto é do acervo de outro grande promotor de reminiscências valiosas, o Nofrinho Motorista.

Essa postagem fez reativar em minha retina a imagem de um itapoltano que conheci de perto, era amigo de meu pai, irmão de conhecidos nossos, o mecânico Mário Garcia, que conhecia tudo de mecânica, trabalhou com as máquinas da Prefeitura, dava assistência técnica em tudo que era maquinário daquele tempo.

O Mário, de porte mediano, rosto redondo e pele bem clara, era irmão do Olívio, que reinava entre os calçados da Casa Stella, do Sr. Savério, o Anésio, pai da Cacilda, alfaiate cinco estrelas, cuja loja e residência ficavam na Av. Valentim Gentil, paralelas à quadra de esportes do nosso velho Ginásio, hoje Centro de Convivência (Biblioteca), em época que nossas equipes de vôlei e de basquete eram referência regional e contavam com três espectadores infalíveis, o Anésio, sua esposa e a Cacilda, que assistiam aos jogos do muro de sua casa.

O que me impressiona é o jogo de imagem que se cria na minha mente. Vejo o rosto jovem do Mário, seu rosto que tinha algumas leves sardas, seu semblante compenetrado quando mexia com máquinas e, paralelamente, vejo a figura da foto do seu filho Antônio, de cabelos brancos, boné, bermuda, posando apoiado num poste, na postura típica do homem vivido, aposentado de tantas lidas, vejo a figura de um filho que está mais velho que o pai, o pai que conheci e guardei na lembrança porque foi figura importante na formação do meu caráter, Mário era um exemplo expressivo do Homem com H maiúsculo, porque era responsável, confiável, digno, trabalhava com denodo e com amor ao que fazia e como o meu pai, que era meu ícone, o tinha como um exemplo de dignidade cidadã, esse exemplo serviu muito para mim.

O Mário havia sumido de minhas conversas, de minhas referências, jazia inerte em sua hibernação e o surgimento de seu filho, que certamente se espelhou nele, fez ressurgir seu rosto jovem, seu semblante dinâmico, a mostrar que aqueles que se constroem dignos, respeitáveis e admirados, se eternizam em sua posteridade. O Nofrinho Motorista e o Arquivo Itápolis me suscitaram o impulso de minha homenagem à família Garcia, gente que honrou a cidadania itapolitana.