Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Quem irá espantar as bruxas?"

Anda difícil encarar os dias presentes com bom humor, com animação, com aquela confiança de que tudo estará correndo bem. O ano de 2014 vem sendo marcado, com uma frequência assombrosa, por notícias nada agradáveis:



Ariano Vilar Suassuna, o último a nos deixar

"Só o tempo determina se o que foi escrito fica"

"Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora"

Dois desastres aéreos que dizimaram perto de seiscentas vidas; nossa região sudeste enfrentando uma seca inédita que põe em risco o abastecimento de água da cidade mais populosa da América do Sul; um desabamento fatal atrás do outro; a banalização dos crimes que inundam os noticiários; uma sequência rara de falecimentos de pessoas célebres nas suas atividades, em poucos meses perdemos vários escritores, gente da imprensa, da televisão, do pensamento político nacional, basta fazermos um retrospecto para chegarmos a um balanço entristecedor.

  Esse ano prometia muitas alegrias, o despertar de uma sociedade que parecia anestesiada e que decidiu manifestar sua tomada de consciência e sair às ruas, a realização da Copa do Mundo de futebol aqui no nosso país, as eleições de âmbito nacional oferecendo a chance de mudar, acontecimentos que nos acenavam com vida nova, com esperança, com a crença de dias melhores para todos.

No entanto, o que vemos é um cenário que causa desânimo aos mais otimistas dos sonhadores. Perdemos a Copa de maneira grotesca, humilhante, deixando-nos o sabor amargo da perda daquele fio de esperança de que a gastança vultosa do dinheiro público pudesse ser amenizada com a alegria, embora passageira, do povo que sempre se farta de pão e circo.

A tudo isso se soma a perda inestimável de grandes provedores de nossa cultura, de valiosos atores de nossa dramaturgia, de ativistas políticos respeitáveis, tudo acontecendo em curto prazo, como a anunciar que “a bruxa anda solta!”   O segundo semestre já está em curso e nada indica que venha trazer mudanças significativas.

Os candidatos às eleições de outubro não oferecem programas de governo à nossa análise, furtam-se a tomar posição contra o paternalismo populista que põe de lado o estímulo ao trabalho, à especialização e ao crescimento, tudo por medo de perder votos, votos que levam ao poder pelo poder.

Ninguém, até agora, ouviu deles uma só palavra sobre seus projetos de segurança pública, de aniquilamento do crime organizado que hoje é uma verdadeira instituição, como não dizem uma palavra sobre projetos de redenção dos serviços de saúde, de regeneração de nosso sistema educacional, reconduzindo nosso país a patamares pelo menos razoáveis no ranking internacional, hoje nos arrastamos vergonhosamente nos mais baixos escalões mundiais.

Quando será que vai surgir alguém com coragem de proclamar-se inconformado e decidido a romper com este círculo vicioso? A gente espera ouvir o seu rugido e não estes miados de homens frouxos, acomodados e embriagados de poder.

O que ajudaria muito o surgimento de cidadãos corajosos, audaciosos e dispostos a romper com tudo isto, seria o estímulo de um povo mais preocupado com a troca dos governantes do que com a troca do técnico da seleção brasileira de futebol.

O que empurraria o cidadão à luta pela restauração da honestidade administrativa, pela volta ao respeito à Constituição e às leis dela derivadas, pela limpeza moral de nossos costumes, seria continuar com o patriotismo exibido durante a Copa do Mundo, entoando mentalmente ao menos, todo santo dia, o Hino Nacional Brasileiro e fazendo tremular nas janelas e nas antenas dos carros a nossa bandeira verde e amarela.

O que contribuiria muito para encorajar o político decente seria a demonstração de valorização de nossa língua pátria, hoje desprezada em favor dos “builing” em vez de “brincadeira de mau gosto”, dos “off” no lugar de “desconto”, de “delivery”, no lugar de “entrega” e tantas outras palavras comuns, que existem em nossa língua, portanto não se justificam senão pela enrustida paixão por tudo que vem de fora.

Será que podemos sonhar com tamanha mudança na cultura de um povo acomodado, alienado, com preguiça de pensar e de assumir seu papel de cidadão? Será que estes jovens que lotam os estádios nas noites de grandes shows das Lady Gaga da vida, das bandas ruidosas e não sabem dizer quem é Chico Buarque, Milton Nascimento, Dorival Caymi, que desconhecem a existência de um Jorge Amado, de um Viníciuis de Moraes, de um Drummond de Andrade, vão querer perder meia hora de seu sono de embalos para pensar na Pátria?  Deixo a resposta pra vocês!