Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Dramas e comédias, tudo improvisado"

Na minha mais tenra Itápolis, quando ainda não tínhamos televisão, quando ainda não estávamos viciados em ver novelas, as atividades culturais e artísticas agregavam as pessoas, as famílias, a sociedade, enfim nas noites de grandes filmes do cinema, nas platéias das representações teatrais montadas e levadas a público por grupos da cidade, como estudantes, congregados marianos e outros grupos de formação espontânea.

Como não tínhamos um teatro, as peças e os shows eram apresentados nos palcos do antigo Cine Theatro Central e do Cine Ideal, cujas telas eram removidas para a adaptação dos cenários. Eram apresentações de uma ou duas noites no máximo e as platéias ficavam lotadas.

Como estes grupos eram amadores, formados por pessoas que tinham exíguo tempo para ensaiar, pois tinham seus dias ocupados pelos estudos, pelo trabalho, era comum acontecerem tropeços que viravam motivo de comentários jocosos pela cidade, durante vários dias.

Certa vez, um grupo de congregados marianos resolveu montar uma peça teatral escrita pelo dramaturgo Ferreira Neto, “O Segredo do Padre Jeremias”, cujo tema central era o dever dos padres de manterem até à morte os segredos de confessionário. Houve um assassinato na cidade, um suspeito foi preso, ia ser condenado, quando um morador da cidade se apresentou no confessionário e revelou ao Padre Jeremias, vigário da Paróquia, ser o verdadeiro culpado do crime.

Aí brota toda a trama da peça, colocando aquele padre no maior dilema: denunciar o verdadeiro criminoso e livrar um inocente, ou cumprir à risca o juramento feito na sua consagração, de jamais revelar um pecado confessado. O padre Jeremias era representado pelo conhecido leiloeiro das nossas antigas e animadas quermesses, o ferreiro Ismael Palhares e o autor da confissão era representado pelo Sebastiãozinho Sene, filho do Romeu Sene.

Tudo corria às mil maravilhas, os dois atores principais estavam brilhantes, perfeitos e faziam a platéia permanecer ligada no enredo, não se ouvia um pio no recinto. Acaba o primeiro ato, fecham-se as cortinas, o público dá aquela relaxada e, passados uns dez minutos, ouvem-se o primeiro sinal, o segundo, o terceiro, todo mundo já sentadinho, compenetrado, abrem-se as cortinas e a inesperada cena: os atores Ismael e Sebastiãozinho aos socos e pontapés, o Padre e o criminoso confesso se desentenderam e partiram para a maior briga.

O “Padre” erguia a batina até as canelas para brigar mais à vontade, o “criminoso” estava sem sapatos. que perdera na briga. A platéia às gargalhadas, curtindo aquela cena cômica, a cortina se fecha, a turma do deixa-disso interfere e acaba com a briga, os atores se concentram, a cortina se abre de novo, mas não teve jeito, o público não conseguia conter o riso, até o fim do drama, que acabou virando comédia.

Cenas de trapalhadas viviam acontecendo, ora era o personagem que ouvia tocar a campainha, olhava para a porta dizendo: “Entre!” e o coadjuvante entrava pela porta errada, justamente a que ficava bem atrás do que mandou entrar; ora era outro ator que ia abrir o armário da parede, a porta enroscava, ele puxava com força e tudo vinha abaixo, o armário e tudo que continha. O público se divertia às gargalhadas. Era delicioso ir assistir a esses espetáculos.

Como era delicioso também ir assistir aos shows promovidos por estudantes. Eram espetáculos montados com cenas curtas de humorismo, os chamados “skets”, os esquetes, geralmente bolados pelo próprio grupo. E eram muito criativos, divertiam muito e viravam motivos de comentários por várias semanas nas rodinhas que eram comuns em nossas ruas e praças.

As cenas tinham que ser rápidas e conter o elemento surpresa. Vou descrever algumas de que me lembro bem. O apresentador se adiantava à beira frontal do palco e anunciava: “Agora vocês vão ter o privilégio de assistir a um grande número de canto!” A plateia ficava excitada esperando ver um grande cantor, a cortina se abria e o que se via era um grande cartaz, colocado num dos cantos do palco, onde aparecia um número (algarismo) enorme, lá estava o grande “número de canto” anunciado.

A platéia reagia inicialmente com um misto de surpresa e de indignação, ouviam-se vaias e alguns aplausos, que iam engrossando e acabavam tomando conta do público inteiro. Um dos esquetes de maior sucesso foi aquele que foi anunciado como: “A Tomada da Bastilha”, fato histórico marcante da Revolução Francesa. Abre-se a cortina, o Nagib Feres vestido de oficial do exército francês, o Baianinho (Geraldo Hauers) vestido de soldado raso, o Oficial lhe ordena: “Cante a Marselhesa!”, o soldado rosna, pigarreia o que indica que está afônico, totalmente sem voz. O oficial manda que o ordenança lhe traga um copo d’água, o que é imediatamente obedecido, aí o Nagib, que falava com um sotaque árabe carregado, pega uma pastilha do bolso, dá o copo para o soldado, entrega-lhe a pastilha e ordena autoritário e solene: “Toma a bastilha!”, o soldado toma e a cortina cai. A platéia explode em gargalhadas! Sucesso absoluto.

As nossas noites eram, como vêem, bem diferentes das de hoje e muito mais divertidas.