Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Só no interior tem isto"

Família de José Ramalho

            1-Geraldo Ramalho, 2-Stella de Morais Ramalho, 3-José Ramalho, 4-José Bonifácio Ramalho, 5-Luiza Celli Ramalho, 6-Vera Celli Ramalho, 7-Ignes Celli Ramalho, 8-Paulo Sérgio de Morais Ramalho, 9-Lázro Evangelista Celli Ramalho(Dr. Parra)

Outro dia falei da família Celli e mencionei o filho de Dª Tita e do Sr. José Ramalho, o Lázaro Evangelista, conhecido na cidade, no meu tempo, anos 30, 40, como Lazinho Ramalho, oficial do Cartório do Basílio Nino. 

Logo depois que eu saí de Itápolis, anos 50, soube que o Lazinho tinha-se transferido para a região de São José do Rio Preto, numa de suas cidades de fundação recente. Bem mais tarde vim saber que ele tinha voltado para nossa terra, mas com outro modo de ser chamado, era o Dr. Parra. Este novo Lazinho eu não conheci. Deve ter continuado a ser popular, deve ter continuado a ser protagonista de histórias pitorescas, dessas que só nas cidades interioranas se tem notícia.

Vivi grande parte de minha vida em cidades do nosso Interior e tive a oportunidade de conhecer tipos humanos incríveis, o Lazinho Ramalho foi dos primeiros. Era um jovem de ótima aparência, cabelos negros levemente ondulados e bem tratados, pele clara, bigodinho sempre bem aparado, dentes perfeitos que se notavam no seu sorriso fácil. Lazinho andava sempre na estica, como se dizia na época de pessoas que caprichavam nas vestimentas, preferia o branco, não dispensava a gravata de seda, o Lazinho era um jovem bonito. Bonito, cativante e que gostava de namorar.

Naquele tempo do “pode ser ou está difícil?” Lazinho preferia fazer suas conquistas nas cidades vizinhas, algumas nem tão próximas assim. E conquistava moçoilas que se destacavam em suas cidades, tanto pela beleza como pela posição social. Era um conquistador nato, que nem precisava usar de certos artifícios que ele mesmo contava utilizar quando lhe perguntavam como tinha conquistado a filha do prefeito de Jaboticabal, por exemplo.

Lázaro Ramalho(Dr. Parra) e sua irmã Vera Celli Ramalho; ao fundo Dª Tita

Para explicar seus recursos, Lazinho tirava do bolso interno do paletó uma foto da vista integral do nosso então famoso Hospital de Misericórdia que ainda ostentava seu belo jardim versalhano, suas imponentes escadarias e seu frontispício de estilo barroco. Aquilo impressionava as garotas, que logo perguntavam curiosas: “De quem é este casarão tão lindo?” A resposta já estava na ponta da língua: “ Esta é a casa de campo de minha família!” Ele já era elegante e bonito, boa lábia, bem falante, ainda com uma casa de campo como aquela... eram favas contadas!

O que as meninas de fora não sabiam era que o nosso herói ganhava pouco e de vez em quando, como acontecia muito conosco, os jovens daquela época, não se tinha dinheiro de sobra para viver viajando para Ibitinga, Borborema, Bariri, dar um salto mais longe em Jaboticabal, Catanduva.

Então, Lazinho, certa feita precisou apelar para a generosidade dos amigos. Tinha que ir a um baile em Novo Horizonte, estaria com a namorada, filha de um pecuarista local e não podia ir com seus parcos trocados. Conseguiu emprestados cinquenta cruzeiros do Neu Miranda, um dos membros da família Miranda, que viveu alguns anos em nossa terra.

O tempo passou, o dinheiro não sobrou e o nosso personagem ia esticando sua dívida. Numa noite de lançamento de um grande filme no cinema de Ibitinga, se não me engano era o sucesso romântico “Suplício de uma Saudade”, o Neu Miranda viu a chance de dar um aperto definitivo no seu amigo inadimplente. Viu no meio do público que esperava abrirem-se as portas do cinema, o elegante Lazinho, com as mãos no ombro de sua nova namorada, da alta sociedade ibitinguense, era “agora ou nunca” e o Neu gritou para que não só o Lazinho ouvisse: “Lazinho! Como é que é? E os cinquenta cruzeiros?”, a resposta veio pronta: “Não se preocupe, Neu, depois você me paga isto!”, a porta se abriu, o casalzinho entrou, engolido pelo ajuntamento de pessoas e o Neu teve que esperar mais um pouco. Isto se chama “presença de espírito”!

Por falar em porta de cinema, quando eu morava em Monte Aprazível, anos 60, aconteceu um episódio parecido com o que acabo de narrar. Era o lançamento do grande sucesso “Dr. Jivago”, o cinema, ainda fechado, apresentava uma multidão de frequentadores à espera da abertura, quando o único “gay” da cidade provocou a ira de um rapaz que estava acompanhado da namoradinha recém conquistada e, para limpar sua barra, este partiu pra cima do “gay”, aos socos e pontapés. A vítima começou a gritar, a dar uivos para chamar a atenção e passou a estimular a agressão gritando: “Bate, bate, bate neste corpo que já foi seu!” Tenho certeza de que ninguém dos presentes há de ter esquecido tão espalhafatosa reação.

Em São José do Rio Preto havia um comerciário que, depois de assistir à estréia de um filme, voltava na próxima sessão e ficava à espera do momento em que faria uma de suas gracinhas. Quando exibiram o filme “Maria Antonieta”, que mostrava a cena em que a polêmica rainha ia para o cadafalso, ele foi à estréia, prestou bem atenção à cena, voltou na sessão seguinte e, quando a rainha subia os degraus para o palanque onde ia ser decapitada, subiu o primeiro degrau, o segundo e quando erguia o pé para o terceiro, o sujeito gritou: “Maria Antonieeeta!!!”, ela se virou pra trás como se atendesse ao seu chamado! O filme foi levado a sério até ali, depois... virou uma sequência de gargalhadas.

Estas histórias, de uma graça especial, pitorescas, é exclusividade da vida interiorana, típica das cidades pequenas e médias, onde as pessoas se comunicam de verdade, de muitas maneiras, porque sabem que serão ouvidas, que suas investidas terão a repercussão desejada. Fora das megalópoles é que se encontra o homem como ser eminentemente social, cada vez mais aniquilado nos grandes centros urbanos.