Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A Família Éllero"

 

Quando criança a gente vai conhecendo pouco a pouco as pessoas que nos cercam, tanto dentro de casa como os que vivem fora dela, começando pelos vizinhos próximos e os mais distantes.

Eu era bem pequeno quando fui com minha Nona e minha priminha Terezinha à casa a Dª Quita, preciosa bordadeira e crocheteira , a quem a Nona foi encomendar algum bordado, pois entregou alguns pedaços de tecidos a ela. Enquanto conversavam na sala, fui chamado para brincar no quintal por um menino um pouco maior que eu. Chamava-se Oacyr, meu novo amiguinho. Mostrou-me muitos brinquedos feitos em madeira, alguns ele dizia “Foi meu pai quem fez”, já outros ele explicava “Este foi meu avô quem fez”. 

Logo apareceu a irmãzinha dele, a Oneiva, meio arredia, demorou para descontrair.  Saí daquela casa com a gostosa sensação de que ganhara dois amiguinhos muito gentis, educados e inteligentes. À noite, quando jantávamos em casa, chegou meu Nono, como sempre fazia depois que jantava na casa dele e conversando com minha mãe, disse: “Hoje a Beatrice foi na casa dos Éllero”. Pronto, agora eu sabia que a família de meus novos amigos eram “os Éllero”, nome que eu achei muito bonito, pela sonoridade.

Escolinha da Dª Mazze, onde a Oneiva foi minha coleginha de classe

Fui crescendo, entrei na escolinha da Dª Mazé e lá estava a Oneiva, agora como minha coleguinha. Mais tarde entrei para a “Cruzada”, tipo de irmandade católica que reunia crianças e lá estava o Oacyr.

Virei coroinha e precisava aprender a ajudar o Frei Elias durante a missa. Tive dois mestres mirins, lá na Sacristia era o Chiquinho Santarelli, que me avisava “Cuidado com o Missal, pega ele assim ó...”  Em casa, quem ia me ensinar, era o Oacyr. Com a ajuda de minha mãe, ele montava um simulacro de altar; o velho dicionário, já soltando páginas, era o missal, ele levava uma campainha feita pelo Sr. Pedro, seu avô; a gente rezava uma missa inventada e com isso eu aprendi a ser coroinha.

A família da Oneiva e do Oacyr morava numa casa afastada da Avenida Campos Salles, entre as Ruas José Bonifácio (José Trevisan) e 13 de Maio (Ricieri Antonio Vessoni). A casa, sempre pintada de amarelo bem clarinho, tinha um lindo jardim bem na frente e uma horta bem formada e cuidada pelo Sr. Pedro, do lado direito de quem entrava. Ao fundo, mais para a direita, eram as oficinas do Sr. Pedro, carpinteiro e de seu filho Theodoro, eletricista e também  carpinteiro como o pai.

Theodoro Éllero

O Sr. Theodoro e Dª Quita, cujo nome era Maria de Lourdes Escada e era descendente de portugueses, tinham mais dois filhos, além da Oneiva e do Oacyr. Eram a Neide, a mais velha e o Ovaldir, o caçula, ambos bonitos e agradáveis como seus irmãos.

O Sr. Pedro Antonio Éllero era oriundo da Comuna (vilarejo) Artegna, província de Údine, Itália. Ao vir para o Brasil, foi trabalhar numa fazenda de café em São Carlos. Casou-se com a conterrânea italiana, Giosepina Penitente, natural da Comuna Castel d’Ario, na província de Mântua. Tiveram seis filhos: Fernando. Maria, Francisca, Theodoro, Orlando e Aparecida Éllero.

O Sr. Theodoro Éllero fez inúmeros trabalhos importantes na cidade, foi obra sua a reforma total da rede elétrica do Hospital de Misericórdia e a instalação elétrica de toda a Maternidade Dª Julieta Lyra. Trabalhou na Torrefação de Café do Sr. Décio Ribeiro e também na Itaol, a fábrica de óleo. Também fazia parte do Conselho do Museu Histórico e Pedagógico Alexandre de Gusmão.

Ele recebeu sempre a importante ajuda de Dª Quita, que além de bordar e fazer crochê para muitas freguesas, cozinhava, lavava e passava pra fora e, para completar, dava hospedagem e marmita para vários pensionistas.

O casal era muito católico e lembro-me bem dos altares que erguiam na frente da casa, para homenagear a passagem do féretro sagrado, na noite da Paixão de Cristo.

A filha Neide, professora, casou-se com José Zuliani, meu companheiro de cantoria na alfaiataria do Sr. Arthur Caetano da Rocha, onde era oficial de costura. O José e a Neide, já falecida, tiveram três meninas, a Rosa Maria, a Rossana e a Maria Cristina, e um menino, José, o Júnior. A minha coleguinha da Dª Mazé, a Oneiva, que mora atualmente em Bauru, está viúva de Lenildo Ariosi, com quem teve dois filhos, Marco Antonio e  Sílvia Regina.

Ano: 1957

    Em pé, da esquerda para a direita: Tico Mercaldi, João Alexandrino, Nelson Jorge, Odilon Sene, José Palmitesta, Antonio Reato, João Balseiro(Tabatinga), Constantino Moro(Piolim), Antonio Zendron, Oswaldo Baggio, Hélio Bergamaschi, Izaias dos Santos, Baiano, Jorge.
      Agachados, da esquerda para direita: Darci Brugnoli, Enio Mansueto, Clóvis Jorge,
Ovaldir Ellero, Márcio Gomes, José Sene, Sebastião Vasques, Jonas Garcia, Luíz Carlos Bobolon, Norberto Aguilera(Macau), Jorge.
      Ao fundo prédio na Rua José Trevisan, hoje Fogos de Artifícios Machado

O Ovaldir, que também reside em Bauru, desde que se casou com Marli Falzeta, com quem tem dois filhos, Maristela e Ovaldir Júnior, passou por uma dura experiência, ainda criancinha, creio que aos 6 anos de idade.

Como toda criança daquele tempo, brincava na calçada da frente de sua casa, quando foi atingido na cabeça por um aro de roda de caminhão, que se desprendera de um pneu que estourou na rua. Foi um ferimento gravíssimo que deixou todos da família apavorados e toda a vizinhança em sobressalto. O Oacyr, seu irmão mais velho, ficou tão desesperado que fez promessa de nunca na vida comer carne durante toda a Quaresma, se Deus salvasse seu irmãozinho. Ele sobreviveu, graças a Deus e o Oacyr cumpriu fielmente aquela promessa, fazendo abstinência de carne em todas as Quaresmas, até sua morte em 2006.

Aliás, o Oacyr, que me ensinou ajudar a missa, nasceu para ser professor. Mudou-se primeiro para Tabatinga, em 1966 mudou-se para Araraquara, onde fez brilhante carreira no Magistério, tanto que sua dedicação lhe valeu uma belíssima homenagem “pos-mortem”, pois hoje em Araraquara temos a Escola Estadual Professor Oacyr Antonio Éllero, para orgulho de seus filhos Sylvia Maria, minha amiga até agora virtual, Oacyr Júnior, Silvana, Joacyr, Moacyr e Olacyr, que faleceu ainda bebê, orgulho também para sua viúva, Dª Sylvia Arini Éllero.

A única filha do casal Theodoro e Quita que resistiu à ideia de mudar-se  de Itápolis, foi a Neide, junto com seu marido, o José e seus filhos. Neide foi professora na E.E. Professora Theóphila Pinto de Camargo, até aposentar-se; seu falecimento ainda relativamente jovem, deu-se em 09 de fevereiro de 2009.    

O Sr. Theodoro tinha um irmão que morou e trabalhou em Itápolis por muitos anos, era o Orlando Éllero, conhecido operador do Cine Theatro Central, nosso belo cinema da Rua Barão do Rio Branco. Ele morava numa casa ao fundo do cinema e com sua esposa tinha uma filha, a Luzia, que era muito conhecida nos meios estudantis e entre os jovens em geral, pela sua simpatia e generosidade. Luzia tinha duas irmãs, a Sandra e a Regina.

Aí estão os Éllero. Como alguém andou dizendo que eu escrevo sobre as famílias “tradicionais” de Itápolis”, esta é realmente um modelo de tradição, tradição de trabalho pesado, trabalho honrado, honesto e produtivo. Gente muito gente!