Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Olhando para o céu com saudade"

 

A minha mais tenra Itápolis devagar vai se apagando, pouco a pouco vai sumindo, evaporando diante dos nossos sentidos, poucas coisas ainda restam, pouco daquela gente que viveu com a gente aquela mágica tranquilidade ainda resiste às intempéries,  como se fossem guardiões dos velhos tempos. Cada um destes que parte é como se uma parte do nosso mundo ruísse. Você que goza ainda o vigor da juventude, você também sofre com a ausência, com a perda de alguém muito querido, mas não pode imaginar como estas perdas nos machucam, nos ferem a alma, causando um vazio imenso.

Vera Martelli

Eu conto e reconto os amigos que ainda sobrevivem, os primos da minha geração que aí estão firmes levando a vida em frente, os que foram ídolos e permanecem vivos, É uma recontagem que nos revigora o fôlego, acho que todos os meus companheiros de longevidade sentem isto.

Estes últimos dias estão sendo impiedosos com a gente, seguidas perdas estão vindo embaciar nosso horizonte. Aqui onde vivo acabamos de perder um ente querido, o Edésio, irmão de minha esposa, filho dos saudosos Plínio Bento Silva e Alice Souza Silva, que conheci aluno menino ainda, em Monte Aprazível, que depois trabalhou anos comigo, que depois se tornou cunhado, partiu assim, sem se despedir.

Dª Laura, ao lado do filho e o Com. Romeu Bonini na festa dos 80 Anos da Escola Valentim Gentil

Ainda doía o açoite quando me avisaram que uma grande amiga, a Vera Martelli, conterrânea ligadíssima nas coisas da nossa terra, também foi embora sem um aceno sequer. Filha da Dona Nair, uma senhora de coração e alma vibrantes, prima do Euclides Martelli, amigo que virou parente, Vera e Dona Nair eram referência infalível a confirmar nossas lembranças. Mal me refaço da notícia e vem mais perda, sou sacudido por uma avalanche que teve a força de arrastar consigo um pedaço enorme da nossa história, a testemunha de mais de um século da vida desta cidade.

O nosso querido "Turica"

Tínhamos orgulho de exibir a nossa centenária Dona Laura Del Guércio Monteiro, não o orgulho da vaidade, da arrogância, mas aquele sentimento benfazejo de saber que lá naquela casa, lá naquela rua que já se chamou Rui Barbosa, mantinha-se viva uma filha da terra que a viu crescer, ganhar sua escola de nível e nela servir com alegria e generosidade, fazendo parte de seu cenário; era impossível pensar na imagem do nossa Escola Valentim Gentil sem a Dona Laura. Viveu com simpatia, viveu com utilidade, viveu com grandeza d’alma, por isto o Criador foi deixando-a ficar, como quem quer conservar o perfume que envolvia a terra que tanto amou.

A carruagem que levou o Edésio, a Vera e a Dona Laura ainda tinha lugar para mais um itapolitano da gema,  querido de todos, o menino que, pequenino ainda,  rodava pelas nossas ruas, nas suas manhãs ainda orvalhadas, no carrinho do padeiro, indo bater palma em cada casa para, quase invisível de tão pequeno, entregar o famoso pão do Santarelli.  O caçula dos meninos do Sr. Vitório e da Dona Maria, o Vitório Santarelli Filho, tinha que se transformar no “Turica”, carinhosa forma de retribuir-lhe a alegria e a simpatia. O Turica tinha que partir na carruagem da Dona Laura, que o viu nascer e deve estar acalentando-o em sua viagem para o Céu. A todas estas almas desprendidas, Edésio, Vera, Dona Laura, Turica, nossa homenagem e nossas preces.

 Se a nós, simples conterrâneos, estas perdas deixam tamanha lacuna, imaginem todos que vazio está tomando os dias e os corações de suas famílias. Por isto, queridos amigos, a melhor homenagem que podemos prestar a estes filhos de nossa terra, Dona Laura Del Guércio Monteiro, viúva do José Monteiro, mãe dos gêmeos José Luís e Carlos Pascoal, Vera Bonan Martelli filha da saudosa Dona Nair,  e Vitório Santarelli Filho, o caçula de uma irmandade numerosa e alegre,  e a todos nossos amigos e entes queridos que nos deixaram, é a nossa prece ao Pai Eterno para que os receba e os acolha. Eles hão de ficar felizes se puderem perceber que somos solidários com seus entes queridos que aqui ficaram.