Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"O futuro chegou, proteja-se!"

 

Quem, como eu, já vem vivendo desde o século XX e, no meu caso e de alguns amigos que sobrevivem, desde a primeira metade do 1900, pode testemunhar a pacatez daqueles tempos, quando se podia ir e vir a qualquer lugar, por mais estranho que fosse, a qualquer hora, por mais tarde que estivesse, certo de que nada de ruim poderia acontecer.

Eram tempos de paz entre os seres humanos, eram tempos de prevalência do amor e do altruísmo. A gente fazia serenata pela madrugada a dentro, tanto na nossa terra interiorana como também faziam os seresteiros das capitais. Caminhar da escola até à casa quando terminavam as aulas noturnas, geralmente às 23h, era tranquilo, sem sustos, sem dramas.

Eu sempre imaginei que o futuro guardava grandes progressos do Homem, criatura imperfeita em busca da perfeição. Século 21 era um sonho longínquo que prometia uma sociedade humana mais culta, mais sociabilizada, mais pacífica, mais construtiva. Sonhávamos com a igualdade entre os humanos, sonhávamos com a elevação do espírito, do caráter e do temperamento das pessoas. Era tempo de ideologias, de projeção do homem ideal, da sociedade perfeita.

Como éramos românticos sonhadores! Como alimentamos projetos tão quiméricos! Transportávamos a nossa paz para os dias futuros, melhorada, mais segura ainda, pois seria a paz entre os “homens do futuro”. Afinal o Homem evoluiu, estava evoluindo e iria evoluir muito mais. Quanta vã filosofia, quanta ilusão, quanta ingenuidade.

Quando vemos os jovens de hoje, jovens que antes eram o futuro promissor e agora os vemos cada vez em maior número, cada vez mais jovens, envolvidos com a maldade, com o desamor, com o desrespeito a tudo que já foi sagrado, dói muito, entristece demais. Quando vemos a ganância das pessoas que só pensam em ter, ter, cada vez mais, ter e ter!

Como a gente se enganou com o futuro! Quanto mais avançamos neste século ainda criança, mais nos agridem as guerras que se multiplicam, mais nos ferem os governantes com sua sede de poder e de privilégios, mais nos entristecem os futuros governantes com sua santa ignorância, com seu deslavado desprezo pelos valores da inteligência e da alma. É de se pensar: o que será do amanhã?

Quando percebemos que, atrás de cada gesto, de cada medida tomada, de cada promessa de nossos líderes, está presente o jogo sujo dos seus interesses e o descaso total com coletivo das pessoas, que desesperança nos assombra! O homem atual é cada vez mais o indivíduo, o “ele”, o “ego” e só! As ideologias, o sonho do homem futuro, a busca do espírito evoluído, tudo jaz esquecido, inerte, talvez morto e enterrado. E chamam a isso de felicidade.

Chamam de “redes sociais” os mecanismos criados pela cibernética, que ironia! É nestas redes “sociais” que desabrocha mais e mais o individualismo, que explode mais e mais o desamor ao próximo, que grita e vocifera o exibicionismo exacerbado, a busca de si mesmo vitorioso sobre o resto!

Agora não nos surpreende o crime hediondo, a crueldade com a própria família, a violência com a criança inocente, tudo isso se tornou banal. O ser humano está perdendo a cada fato escabroso, a sensibilidade e a capacidade de se indignar,  o mundo está se tornando indigno de ser amado e a vida detestável de ser vivida!