Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Os Faria e os Mello, o encontro de duas grandes famílias"

 

Ele andava a cavalo; eu sempre o via assim, montado, de terno, chapéu impecável, botas lustrosas, sempre ereto e prendendo as rédeas entre os dedos com estilo. Ele podia ter carro, nem todos podiam naquela época, mas ele podia e andava a cavalo.
Raramente passava pela nossa rua, morava pra cima da Estação, na primeira paralela à Av. 7 de setembro, depois eu fui saber que se chamava Rua José Rossi. Sempre que passava na nossa rua e que meu pai o via, dizia: “Aí vai um sujeito de fibra, ele é irmão da tia de sua mãe”. E era mesmo: Paulo Eloy de Mello, filho de Antonio Eloy Pereira de Mello e de Teodora Celina Cyrino de Mello, era irmão da tia Mariana, casada com o farmacêutico Elpídio Sene, irmão de meu avô materno.

Eu era bem criança, vivíamos nos anos 30, a tia Mariana e o tio Elpídio eram parentes mencionados em casa, moravam em Borborema, onde tinham uma farmácia.

Mais tarde, quando o tio Antenor se aposentou da farmácia, o tio Elpídio mudou-se para Itápolis e aí já adolescente fui conhecer seus filhos, Décio, Hélio, depois nasceu o Célio, veio o Fábio, até que enfim, veio a única menina, a Maria Lúcia.e por último, nasceu o caçula, que levou o nome do pai, Elpídio Jr.
Enquanto isto, outra irmã do Sr. Paulo Eloy, a Celina, casada com o Julinho Mallet e ambos passaram a tocar farmácia em Borborema. Quando chegou a idade de fazer o ginásio, os filhos do casal passaram a estudar em Itápolis; deles eu conheci apenas o Álvaro Antônio, meu colega de classe que sabia latim pra ensinar a classe inteira nas provas do Professor Morato.

Tio Elpidio e tia Mariana mudaram-se pra São Paulo, era tempo de cursar faculdade, que logo chegou também para os filhos da Dª Celina. Era mais gente mudando-se para a Capital. O Álvaro estava terminando o 3º Colegial Científico, por isso ficou pra trás, morando em minha casa, como meu companheiro de quarto.

A família do Sr. Paulo Eloy era bem grande. Seu pai casado três vezes, teve, assim eu ouvia dizer, vinte e quatro filhos.
Lembro-me bem da Helena, que morava na casa dele, havia também a Dª Zota, a Júlia, a Cecília, o Jorge Eloy que era Oficial da Cavalaria da Guarda Civil de São Paulo; havia mais irmãos, mas não me lembro nem do nome nem de quantos eram.

Lembro-me que a tia Mariana tinha uma espécie de irmã de criação, a Joana, figura muito simpática e querida de toda a família, uma espécie de babá de toda aquela meninada. A irmã dela, Dª Celina, eu fui conhecer de perto quando fui seu pensionista na Rua Edson Dias, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Eu estava começando meus estudos na USP, morando em casa de parentes, quando minha mãe me escreveu, enviando o endereço e sugerindo que eu me mudasse pra lá. Mudei-me e fui morar no quarto do Álvaro, que já cursava Odontologia.

Dª Celina e o Sr. Julinho tinham ainda as filhas Maria Alice, Luci, Elza e Idati, todas muito bonitas e comunicativas, que tornavam a vida dos estudantes hóspedes bem mais amena. A nós, pensionistas, só sobrava a amizade das meninas, pois Dª Celina era uma vigilante sempre alerta.

Tia Mariana e Dª Celina falavam muito numa irmã delas, a Alaíde, que era casada com o fazendeiro Aníbal Marques, de Ibitinga, com quem teve os filhos Aníbal José e Wilma.

O pai do Sr. Paulo Eloy, oriundo de Barra Mansa, interior fluminense, tocou um engenho de aguardente, munido de alambiques, onde fabricava a famosa pinga Santo Eloy. Este engenho funcionava na sua fazenda, lá no bairro do Tijuco Preto, caminho antigo para Nova América e Taquaritinga. Com a morte do pai, o Sr. Paulo Eloy assumiu a fazenda e tocou o negócio pra frente.

O Sr. Paulo Eloy, nascido em São João da Boa Vista, casou-se com Dª Maria de Lourdes Faria, membro de outra família bem numerosa que, em Itápolis, tinha como matriarca a viúva, Dª Maria José Teixeira de Faria, vinda de São Carlos, uma batalhadora, que criou os filhos com seu esforço pessoal, dando pensão para funcionários da Justiça.

Seu filho Joakin casou-se com Josefina Compagno e mudou-se para Barretos; sua filha Lucila casou-se com Cícero Costa e foi embora para São Paulo; Maria Aparecida casou-se com o professor Heitor de Oliveira, diretor de escola; a Yolanda casou-se com o conhecido Professor Henrique Morato.
No começo tiveram uma tipografia e ela ajudava no orçamento doméstico fazendo quitutes que eram a alegria dos fregueses. Mudaram-se durante um tempo para Matão, mas voltaram para Itápolis, onde tiveram uma livraria e papelaria situada num prédio comercial da antiga Av. XV de Novembro (Valentim Gentil), na descida à direita, quase chegando na antiga Rua José Bonifácio (José Trevisan). Eu e meus colegas de grupo escolar compramos muitas penas de caneta, borrachas, mata-borrões, com a Dª Yolanda.

Quando entrei no Ginásio, o Professor Morato foi meu professor de Latim. Outro filho de Dª Maria José, o Luís, foi secretário do Hospital de Misericórdia. Seu irmão Arthur, o conhecido Tutu Faria, que trabalhou muitos anos na fazenda do Paulo Eloy, casou-se com Dª Anália Garcia, esmerada bordadeira, com quem teve os filhos Maria Eliza, que conheci adolescente, Luzia e Antonio Carlos. O Tutu Faria ficou bem conhecido na cidade por ter trabalhado, até aposentar-se, na Prefeitura de Itápolis,

As famílias Faria e de Mello se ligaram com o casamento de Paulo Eloy de Mello com uma das filhas de Dª Maria José Faria, a Maria de Lourdes. A elegância do cavaleiro juntou-se à moda de bom gosto com que se vestia sua jovem esposa, fazendo com que seus vestidos fossem admirados nos bailes da cidade.

O casal teve duas filhas, a Therezinha e a Maria José, a nossa grande amiga Zezé, uma das organizadoras do Jantar dos Itapolitanos que se realiza em São Paulo há mais de trinta anos.

Dessas duas famílias conhecidíssimas na Itápolis dos anos 30, 40, 50, eu destaquei a figura do Paulo Eloy não só pelo fato de andar sempre a cavalo, nem mesmo por produzir e vender a deliciosa pinga Santo Eloy, dos alambiques do Tijuco Preto. A maior razão é que, desde menino, eu ouvia constantes elogios à lisura, à nobreza de caráter daquele homem, que na verdade, era o típico cidadão da minha mais tenra Itápolis: gente honesta, gente de palavra, pessoas que não buscavam a sombra e a água fresca dos cargos públicos, pois aqueles que os ocupavam não se locupletavam de suas benesses e não abusavam dos privilégios e das mordomias que naquela realidade nem existiam.

Paulo Eloy era um homem que fazia o bem, socorria os endividados, os oprimidos, sem aparecer, sem fazer daquilo profissão ou trampolim para o Poder. Ouvi várias histórias que comprovavam isto.

Esse homem, no período da 2ª Guerra Mundial, quando racionaram muitos produtos, sacrificou a produção da pinga, que tinha saída garantida, para produzir açúcar mascavo, assim amenizando a escassez do produto no mercado da cidade. Esta história eu ouvi, ainda criança, de Dª Philomena Armentano, nossa vizinha e grande amiga, cujo armazém era abastecido pelo açúcar do Engenho do Tijuco Preto. Saibam que toda vez que eu ia naquele armazem, pegava um torrão daqueles bem úmidos de melado e saía sorvendo aquele maná dos céus.