Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Sensato, nome e caráter"

 

Da província italiana di Venezia, cittàdi Vicenza, villagio di Chiampo, veio a família de Gerolomo Cenzato, que no Brasil, virou Jerônimo Sensato. E Jerônimo fez nascer em Ribeirão Preto seu filho Alberto, irmão do Irineu.

Ambos conheceram o trabalho ainda muito jovens, Alberto abriu caminho trabalhando em São José do Rio Preto. Dali foi para Ibirá já no trabalho de eletricista. Lá ele conheceu Benedita Teodoro da Silva, com quem se casou em 1937. Depois de algum tempo transferiu-se para Monte Aprazível, cidade onde morei, onde nasceu minha saudosa filha Marília e onde conheci minha esposa Dirce Mara.

Sensato saiu de lá, transferido para Tabatinga, mas deixou ali seu irmão Irineu, que também conheci. Irineu, também eletricista, era especializado em auto eletricidade. Irineu era o pai de Guilherme, meu excelente aluno no colegial da cidade; Guilherme casou-se com uma de minhas vizinhas, a Vanda Portilho, que brincou a infância toda com meus filhos. Enfim, duas cidades que me fizeram admirar muito os Sensato.

Vou focar mais o Alberto, conhecido de todos os itapolitanos dos anos 40 e 50, que antes de chegar em Itápolis, passou um tempo em Tabatinga, onde formou um grande círculo de amigos e onde curtia as cantorias e o jornal “O Linguarudo”, semanário satírico que circulava naquela época.

Sensato e seu companheiro de trabalho na CPFL, Josué Jesus Javarotti

Sensato, como ficou conhecido pela maioria do povo, o Sensa, como era tratado pelos mais íntimos, encerrou na nossa terra, sua vida de “nômade da CPFL”, ficou por alí até aposentar-se em agosto de 1974. Essa permanência fez brotar e enraizar nele uma nova paixão, Itápolis.  Ali nasceu seu segundo filho, o Adilson, a família estava completa.

Por que o Sensato era tão conhecido e tão querido por toda gente? Porque, por uns tempos foi o homem que, todo anoitecer, percorria a cidade com seu “arpão”, uma vara com um gancho na ponta superior, com o qual ele acionava as chaves e iluminava as ruas da cidade; de manhã, logo que o dia clareava, lá estava ele erguendo seu “arpão” para fazer o contrário, desligar as lâmpadas dos postes.

Esse serviço foi por muito tempo, exercido pelo meu parente Narciso Sene e também pelos filhos do Sensato, primeiro o Edson, ainda menino, depois o Adilson. Naquele tempo os postes de iluminação pública e de telefonia eram de madeira, aroeira da boa e por isso o Sensato era alvo da curiosidade e dos aplausos de todo mundo, principalmente da meninada.

Sensato e seus companheiros de trabalho na CPFl: Mauro Pinheiro,  Josué Jesus Javarotti e Bireno (Ribeirão Bonito)

Com suas esporas instaladas nos tornozelos e nas canelas, suas correias cheias de fivelas e argolas, Sensato, mesmo míope e com um defeito numa das pernas, causado por um acidente em 1954, que o fazia mancar, escalava aqueles altos postes com uma perícia de fazer inveja. Lá no topo, entre fios e equipamentos elétricos, ajustava suas correias e ficava com as mãos livres para cumprir suas tarefas, fosse trocar a lâmpada como consertar ou trocar uma peça.

E não era só isso, Sensato fazia todo o seu serviço a pé, pois a CPFL não tinha veículos para serviços. Quando era preciso, carregava no ombro uma escada de até 6 metros. Quando o serviço a fazer exigia muitos equipamentos pesados, Sensato se utilizava do serviço de carroceiro do Serrinha, cuja carroça fazia ponto perto da estação, em frente o prédio onde hoje funciona o Supermercado Ricóy.

Somente na entrada dos anos 60, com a troca dos postes de aroeira por postes de concreto, é que as esporasforam eliminadas e o espetáculo das escaladas do Sensato viraram coisa do passado.

Além de toda esta “serviceira” na rua, cabia ao Sensato os serviços internos da agência da CPFL, gerenciada pelo popular Carlito Stocco. Na agência ele era o faxineiro, o auxiliar de escritório, o caixa que recebia as contas de luz e ainda tinha que andar pela cidade toda para distribuir estas contas e os avisos de cobranças todos os meses. Apesar de tantas tarefas, algumas recheadas de riscos, em 40 anos de serviços, nosso Sensato nunca sofreu nenhum acidente de trabalho, Aposentou-se e não parou, passou a realizar os inúmeros sonhos que povoaram sua imaginação durante grande parte de sua vida.

Nosso iluminador da cidade passou a pescar com muito mais frequência, passou a participar mais amiúde dos saraus ricos em músicas, passou a fazer artesanato, colocando em prática sua grande habilidade, aumentou sua roda de amigos.

Tudo na sua vida teve a sua marca, sua contribuição de originalidade. Até para construir sua primeira casa própria, sempre contando com a ajuda de Dª Dita, ele usou de criatividade. Aproveitou-se de um ato de auxílio financeiro a um amigo em apuros e ofereceu-lhe, como forma de pagar-lhe, o emprego de seu ofício. “Está aqui o dinheiro!” – “Como vou lhe pagar tudo isto?” – “Simples, você não é construtor? Pois é, eu tenho um terreno ali na Rua José Belarmino, você vai construindo minha casa até me pagar, A Dita já tem a planta, velho sonho dela!” E assim foi construída a casa dos Sensato, no número 620 da José Belarmino; até hoje  firme lá.

Com a ida para Santa Fé do Sul, do Adilson, onde iniciou a carreira no Magistério, Sensato e Dª Dita passaram a frequentar aquela cidade, principalmente depois que o Adilson se casou com sua admirável esposa, a Tecla Gazoto. Lá também o Sensato virou Sensa entre seu grande número de novos amigos, com os quais participou de rodas de cantoria, ele sempre com seu pandeiro e seu afoxé.

Sua família aumentou, com a parcimônia que lhe foi usual no decorrer de sua vida. Adilson e Tecla têm um filho, Edson Alexandre, casado com Daniela. Desse casal nasceram duas netas, Ana Luísa e Cecília, assim como o Edson, filho mais velho, casado duas vezes, por motivo de viuvez, deu-lhes duas netas, Roberta e Renata e também duas bisnetas, Anita e Helena. Pena que os nossos queridos Sensato e Dª Dita não viveram para conhecê-las e curti-las.

Outra coisa que iria deixa-los muito felizes, se vivos estivessem na época, foi a conquista da sua nora Tecla e de suas netas Ana Luísa e Cecília, o título de cidadãs italianas. O Sensato tem um herdeiro do grande amor que nutria por Itápolis, o Adilson. Esse moço e sua esposa, a Tecla, voltaram a residir na terrinha, movidos por esse nobre sentimento.