Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Família Arruda-Feres"

 

Há questão de 10, 11 anos atrás tive um encontro casual e inesperado com uma itapolitana que não via há anos. Conheci-a dos tempos em que vivia minha mocidade na terrinha e depois de minha partida, se a vi foram pouquíssimas vezes. Ela também me reconheceu, estávamos no interior de uma agência bancária. Só que eu tinha uma dúvida se era a Glaucia ou a Auriluce. Achei que fosse a Glaucia, pelo tom claro e levemente rosado da face. A Auriluce era morena tipo cigana, cabelos longos e negros.

Era a Auriluce,  que clareara os cabelos e os cortara. Conversamos bastante, trocamos telefones e eu fui pra casa. No caminho vieram à mente as lembranças daquele tempo e fui mentalizando a casa daquelas meninas, a loja do pai delas, anexa à casa, fui-me lembrando de todos eles, como se tivesse voltado aqueles dias. Auriluce e sua irmã Glaucia moravam numa casa na esquina da Avenida 7 de Setembro com a Av. Francisco Porto, num prédio que tinha na esquina um armazém de secos e molhados (naquele tempo não usávamos o termo “empório”) e a casa da família, com entrada pela 7 de Setembro.

A Glaucia e a Auriluce, como era hábito naquela época, eu via na janela ou passeando pela calçada, nos fins de tarde. Eram lindas aquelas meninas-moças.

A família dessas mocinhas era formada pelo raro casamento de um imigrante com uma “brasileira”. Jorge Feres, o pai, Aurea de Arruda, a mãe, fizeram essa união e construíram uma família bem numerosa. Além da Aurea Glaucia, já falecida  e da Auriluce, tiveram ainda a Maria Helena, o José Osório, o Jorge Roberto, também falecido e o caçula Antônio.

O Sr. Jorge Feres era filho dos libaneses Iussef Feres e Fahda Jorge Aiex, ele da cidade de Rachaia Al Foikhar e ela de Hasbaia. Vieram para o Brasil ainda durante o império de Dom Pedro II e se fixaram na Vila de Nova América, onde tiveram vários filhos, sendo que os dois primeiros faleceram ainda bem crianças.

Começou sua nova vida como mascate, tendo percorrido toda a região, assimilando a língua, os hábitos e o tipo de vida dos novos “patrícios”. Amealhou boas economias e se estabeleceu em Nova América, onde formou sua família, Lá nasceram a Olívia, Feres José, Angelina, Josephina, Antônio e Jorge, pai das meninas Glaucia e Auriluce e todo o bando.

O Sr. Iussef mudou-se para Itápolis, por volta de 1919, onde encontrou muitos “patrícios” que tinham também os nomes Iussef Feres, por isso abrasileirou seu nome para José e acrescentou mais um nome de família e passou a ser conhecido como José Feres Chácar.  José Chácar comprou um imóvel na esquina da Francisco Porto com a 7 de Setembro, onde instalou sua família e o armazém.

Mais tarde comprou um terreno onde construiu sua nova casa, que bem mais tarde foi demolida, dando lugar ao Posto de Puericultura, prédio que é hoje a sede da AIA. Ainda adquiriu um terreno em área contínua com sua casa, onde mais tarde foi construída a Casa de Saúde São Lucas, hoje hotel. Em 1948 perdeu sua esposa Dona Fahda. Viveu lúcido e ativo até os 106 anos de idade.

As meninas de quem lhes falei no início, Auriluce e Glaucia, tinham como ascendentes do lado da mãe a família Arruda, chegada em Itápolis lá pelos anos de 1920. Dona Firmina de Oliveira Arruda, viúva do tabelião Osório Ferraz de Arruda, chegou trazendo uma penca de oito filhas.

Oriundos de Jahu, onde Osório tinha cartório, depois de se casarem foram para Ibitinga, onde nasceram seus nove filhos, o mais velho João Paulo, mais a Sebastiana, excelente crocheteira;  Aurora, Martha, Olinda, Maria José, Ana, que se casou com Alessandro Anselmi, um italiano tão brasileiro, que foi até combatente na Revolução de 32. Faltam duas filhas da Dª Firmina, a Maria das Dores que foi esposa do Sr. Laurentino Mascari e a caçula, Aurea, a esposa do Jorge Feres e mãe da Glaucia, da Auriluce e seus três irmãos.

Dª Firmina, além de ser uma mãe maravilhosa, que mesmo viúva, formou todos os filhos e os tornou pessoas prendadas, era também uma costureira de alto nível. Sua caçula, a Aurea, tinha talento nas artes da pintura, do desenho a nanquim, tocava violão e violino e ainda lhe sobrava tempo para versejar com estilo. Dona Firmina viveu até 1951, o Sr. Jorge Feres faleceu em 1981 e Dona  Aurea partiu do nosso convívio em 1995. Eis aí um exemplo de boa convivência entre imigrantes e famílias tradicionais da terra.

Auriluce, embora viva em São Paulo há muitos anos, não perdeu nem um átimo de seu amor à terra natal e atuou com grande empenho na organização do tradicional Jantar dos Itapolitanos que anualmente congraça os filhos da terrinha que residem fora dela.